Muitos portugueses que eram crianças durante os anos da guerra colonial (1961-1974) recordam sobretudo as experiências de despedida ou irem esperar os seus familiares quando eles regressavam, bem como o tempo da ausência, preenchido com leituras de cartas e outros rituais. Nalguns casos, a memória foi – e ficou – acompanhada por uma quantidade de testemunhos visuais, sob a forma de postais e de fotografias.
Duas investigadoras portuguesas, Inês Fonte e Maria José Lobo Antunes, pegaram nesse material e construíram a partir dele uma exposição que abriu esta quinta-feira no Museu do Aljube – Resistência e Liberdade, em Lisboa. Situado numa antiga cadeia que albergou presos políticos, o museu tem uma exposição de longa duração que fala de oposições, repressão, tribunais políticos, vida na cadeia, colonialismo e revolução. No último piso, dedicado a mostras temporárias, abre agora a exposição “A Guerra Guardada – fotografia de soldados portugueses em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique 1961-1974”.
Boa parte das imagens, conforme explicou ao Expresso Inês Fonte, uma das curadoras, retratam cenas de quartéis militares. Não são imagens de operações (embora também as haja), mas de vida quotidiana. Algumas mostram soldados em pose, com uniforme e armas, mas outras retratam-nos em situações muito mais informais. “É uma fotografia um bocadinho inesperada”, diz Inês Fonte. “A gente espera ver uma guerra, e vê homens em fato de banho de forma recorrente, ou mesmo em tronco nu no quartel. É outra linha oposta à fotografia oficial, que queria os soldados bem postos e arranjados.”
Africanos, aparecem uns quantos. Desde logo, mulheres, mas também crianças. “A população era muito jovem, como é hoje, e relações de soldados com crianças, por vezes adotando-as, são muito frequentes”, diz Inês da Fonte.
Numa secção de fotos faladas podem-se ouvir as histórias contadas pelos autores. Numa delas, por exemplo, surge uma criança chamada Vitor, que o soldado mais tarde terá tentado encontrar. “Há também uma história de prostituição e outra passada no fim da guerra, após o 25 de Abril mas antes das independências, quando os soldados que estão no terreno já não têm de combater e portanto podem-se encontrar com anteriores inimigos”, diz Inês Fonte.
Amadores, não profissionais
Maria José Lobo Antunes, que fez a pesquisa etnográfica, entrevistou cerca de 40 ex-soldados. As diversas secções incluem uma chamada “Avessos” (com escritos nas costas de fotografias) e uma de pós-memória, com dois artistas – Daniel Barroca e Patrícia Barbosa – que trabalham, a partir do espólio de familiares, o tema da guerra colonial.
Há também um mapa que mostra a trajetória dos soldados individualmente identificados, desde o continente até aos territórios africanos. Uma caserna onde os visitantes podem dispor fotografias numa parede. Um canto com uma televisão e um sofá, evocando como boa parte da população (vi)via a guerra. E uma cronologia da guerra e do pós-guerra, referenciando investigações a outros tratamentos posteriores.
O essencial são as fotografias. “Queríamos que o visitante se aproximasse das imagens para as ver”, diz Inês Ponte. Algumas secções têm dez imagens, outras quatro, outra cem. Também há um vídeo que passa mais de uma centena de fotografias.
“A exposição tenta trazer uma série de dimensões que nos parecem importantes para pensar a guerra. São fotógrafos amadores, ao contrário do que aconteceu na guerra do Vietname, que conhecemos sobretudo através do fotojornalismo”, nota a investigadora.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL