Gestão cultural profissional e democrática: origem
Ainda que estudos como o de Xan Bouzada rastreiem projectos e programas da II República para situar as origens das políticas culturais em Espanha tal como hoje as conhecemos (39-55), existe um grande consenso em explicar as ditas origens na reinstalação dos municípios democráticos em 1979.
A administração local prestou-se a intervir na acção cultural no que hoje poderíamos denominar por paradigmas clássicos: democratização da cultura (acesso da cidadania às artes) e democracia cultural (participação da cidadania na criatividade artística). Ambos os paradigmas, inspirados no artigo 27 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, sustentaram as políticas culturais prosseguidas depois da Segunda Guerra Mundial, especialmente em França e Inglaterra, países que, juntamente com Alemanha, frequentemente nos serviram de modelo para a transição democrática dos anos setenta e princípios dos oitenta até aos nossos dias.
Evolução da gestão cultural a partir dos anos 80 do século XX
Em resultado do artigo 44 da Constituição Espanhola e de outros artigos dos Estatutos de Autonomia, sucessivos Ministérios de Cultura, Consejerías de Cultura e Áreas Provinciais e Locais de Cultura, aprovaram orçamentos para implementar serviços descentralizados de difusão, fomento, ajuda, investigação e formação, organizando por rubrica oficinas de dinamização sociocultural, casas de cultura, bibliotecas, museus, auditórios, teatros, espaços polivalentes, galerias, programações de artes cénicas e música, exposições de artes plásticas e visuais, ciclos de cinema, encontros literários, festivais, circuitos, contratação de agentes culturais para dirigir as Áreas de Cultura, avisos de abertura de ajudas a associações culturais e ao sector profissional e empresarial da cultura, planos estratégicos, cursos específicos para criadores e técnicos, mestrados generalistas e específicos, conselhos sectoriais, etc.
Nas últimas décadas as instituições culturais e o sector da cultura em geral foram incorporando o que poderíamos designar – de acordo com a filosofia do limite de Eugénio Trias – paradigmas fronteiriços de duplo potencial, para: em primeiro lugar, promover modelos híbridos no entrecruzamento de origens e finalidades; segundo, gerir dissensões sem que isso suponha dissolução das mesmas, mas sobretudo a sua activação e valorização.
Estes paradigmas fronteiriços são, primeiramente, a diversidade e os direitos culturais – excelentemente desenvolvidos na Mondiacult 82 – em seguida, as indústrias culturais e criativas, isto é, um determinado perfil de sector privado, ainda que provindo do contexto neoliberal hegemónico, removeu positivamente os cimentos da gestão cultural no que se refere às suas práticas (mais inovadoras na hora de comunicar e organizar mediante novas tecnologias e artes emergentes) e a sua conceptualização (diversidade cultural graças, entre outras coisas, à infrequente tendência da deslocalização por parte das grandes empresas culturais); por último, a cultura 2.0, pela qual o território, não está submetido às limitações espácio-temporais, da qual resulta uma espécie de transterritorialidade (entre territórios físicos e virtuais e entre territórios virtuais) nas vinte e quatro horas diárias e sem barreira alguma de distancia geográfica.
A globalização dos meios de comunicação agregou todos estes paradigmas – clássicos e fronteiriços – que estão em interacção quotidianamente; contudo, a elaboração das políticas culturais públicas seguem adormecidas pela falta de participação dos agentes implicados.
Na próxima edição: Actualidade da gestão cultural em Espanha
(Artigo publicado no Caderno de Artes Cultura.Sul)