Catorze mulheres foram mortas em contexto de violência doméstica até meados deste mês de novembro. O número, avançado pela Secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade, Rosa Monteiro, é, nas suas palavras, “brutal”, “inquietante”. Chama-lhe a “pandemia permanente”, porque a cifra só por si não revela toda a dimensão deste crime, que levou em 2021 mais de 31 mil mulheres a serem atendidas na Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica e mais de duas mil acolhidas em casas-abrigo.
Só a PSP reportou mais de 215 mil casos em 20 anos, e nos primeiros dez meses deste ano já acumula 11.449 participações. Apesar da tendência de diminuição das denuncias, aumentou o número de detidos: 732.
Dados oficiais mostram que, até ao final do terceiro trimestre deste ano, havia 1.140 pessoas presas pelo crime de violência doméstica, entre 905 a cumprir pena de prisão efetiva e outras 235 em situação de prisão preventiva. Mais de 2500 frequentavam programas para agressores, 191 das quais em meio prisional.
Como faz todos os anos, o Observatório das Mulheres Assassinadas da UMAR contabilizou e analisou cada uma das mortes noticiadas este ano na imprensa nacional – uma soma provisória, porque, diz a experiência, as investigações policiais em curso e o estado grave em que ficam muitas vítimas acabam, meses depois, por somar a estas cifras outras mais elevadas. A juntar-se às mortes, a associação detetou ainda 40 tentativas de assassinato em contexto de relações de intimidade.
Entre os agressores há apenas uma mulher, Ana que matou Catarina em Março. Nove homicídios ocorreram em relações de intimidade atuais e cinco em relações passadas. Em mais de 60% dos femicídios havia informação da existência de violência prévia, seis mulheres já tinham apresentado queixa às autoridades, três tinham recebido denúncias de morte. Não chegou para as salvar. Conheça aqui a sua história de morte.
Janeiro
Maria Deolinda Silva, de 47 anos, morreu no primeiro dia do ano, mas o ataque que lhe acabou com a vida ocorreu a cinco dias do natal de 2020. Depois de 30 anos de violência doméstica ao lado marido Joaquim Teixeira, de 55 anos, quer em França onde estavam emigrados, quer em Arouca de onde eram naturais, em agosto de 2020 Deolinda apresentou queixa na GNR e separou-se. Quatro meses depois, o agressor aproveitou um almoço de família com os filhos de ambos, ao qual ela também compareceu, para a matar com uma machadada na cabeça.
Anabela Almeida, 47 anos, residente no bairro social da Paradinha, na periferia de Viseu, foi morta pelo companheiro, Tito Lopes, de 35 anos, pedreiro, por asfixia. Viviam juntos há 15 anos. O homicida tentou simular uma situação de morte natural, chamou o INEM que declarou o óbito mas a autopsia ditaria que a vítima tinha sido estrangulada com um laço.
Maria do Carmo Oliveira, 50 anos, foi morta com 14 facadas pelo ex-namorado, Sérgio, de 48. O crime ocorreu em Nogueira da Maia, na casa do presumível homicida, onde a vítima se tinha deslocado para conversarem. Os filhos do agressor, de 19 e 13 anos, estavam em casa e pediram ajuda às vizinhas, mas o óbito foi declarado no local. O homicida tinha sido condenado, há poucos dias, em dois processos, a duas penas suspensas por violência doméstica contra outras vítimas com quem tivera anteriormente. Ficou em prisão preventiva.
Março
Catarina Gonçalves, 25 anos, foi morta pela ex-mulher, Ana Miranda, de 31. Os sete anos em que viveram juntas foram marcados por violência, agressões e muito controlo. O crime terá ocorrido na sequência da decisão de Catarina de terminar a relação, em julho de 2020. Depois de meses de perseguições, Ana esfaqueou-a doze vezes no peito e no pescoço, numa rua do Porto, na zona do Amial, perto do anexo onde a vítima morava, quando esta saiu para ir trabalhar no McDonald’s. Catarina ainda lhe atirou com gás pimenta mas não conseguiu travá-la. Estaria a correr na Justiça um processo de pedido de afastamento. Ana aguarda julgamento por homicídio qualificado.
Maio
Beatriz Cadinha, 78 anos, foi morta pelo marido Teixeira, de 79 anos, na casa de família, em Valadares. O alegado homicida justificou o crime, por agressão e asfixia, porque a mulher o terá chamado várias vezes para jantar e a voz era irritante. Mas só assumiu a culpa depois da versão que forneceu às autoridades – queda acidental – ter sido desmentida pela autópsia, que detetou sinais de agressão.
Maria Fernanda Vilela, 74 anos, foi morta a tiro pelo ex-marido Manuel Damásio, de 75. A vítima tinha-se separado do agressor há já 15 anos, por queixas de violência doméstica, mas por questões financeiras dividiam a casa situada no centro de Vila Real, um em cada andar. As ameaças e o controlo continuaram, e repetiram-se as queixas na PSP contra o reforma dos CTT, uma das quais levou à apreensão, como medida cautelar, de uma pistola 6,35mm, mais tarde devolvida por ordem do tribunal. Foi a arma com que matou Fernanda e com que o agressor tentou matar-se a seguir. Morreria mais tarde no hospital.
Junho
Carla Sofia Pereira, 39 anos, foi morta pelo marido, Filipe Vinagre, de 44 anos, que se suicidou a seguir ao crime, por enforcamento. As discussões eram frequentes. Foram encontrados sem vida numa garagem do Bairro de Santiago, em Aveiro. O casal tinha quatro filhos em comum e um de um relacionamento anterior.
Teresa Paula Tomás de Oliveira, 55 anos, foi morta com dois tiros por Albino Pinheiro, o companheiro, de 55 anos, na aldeia da Moita, em Castanheira de Pêra. Viviam juntos há pouco mais de um ano, marcado por vários episódios de maus-tratos. O homicida deixou uma carta no local a assumir o crime, e fugiu. Seria detido em Gondomar, numa churrasqueira, onde ia ver o jogo de estreia do Europeu de futebol. À porta estava estacionado o carro do pai de Teresa, que o agressor levara.
Julho
Ana Cristina Lopes, 57 anos. Foi encontrada morta na casa onde residia com uma irmã, na Bombardeira, A-dos-Cunhados (Torres Vedras). O presumível homicida é o ex-marido da vítima. Carlos Lopes, pedreiro, da mesma idade, foi encontrado com princípio de envenenamento e transportado para o Hospital de Torres Vedras e, posteriormente, transferido para Lisboa onde ficou internado sob detenção no Hospital-Prisão de Caxias. Encontravam-se separados há cerca de um ano, durante o qual não cessaram as perseguições e ameaças de morte. O crime terá ocorrido na sequência de uma discussão, durante a qual a vítima foi agredida na cabeça com um tijolo.
Teresa Janeirinho, 55 anos, foi agredida mortalmente com um pau pelo marido, de 53 anos, durante uma discussão, em São Bartolomeu de Messines, concelho de Silves. Para ocultar o crime, o agressor colocou depois o corpo da vítima numa autocaravana e pegou-lhe fogo. O cadáver seria encontrado pelos bombeiros no rescaldo do incêndio, mas as marcas visíveis de agressão apontaram imediatamente para homicídio. O marido foi detido pouco depois pela PJ.
Agosto
Martine Der Morche, 20 anos, holandesa, foi morta pelo namorado, de 21 anos, num hostel em Arroios, Lisboa, onde viviam há um ano e meio. Ambos trabalhavam numa empresa de telemarketing. A vítima já tinha apresentado na PSP uma queixa de violência doméstica contra o agressor, mas isso não evitou que fosse espancada quase até à morte. Ainda chegou com vida ao hospital, mas não conseguiu resistir a um edema cerebral e vários coágulos.
Setembro
Márcia, 42 anos, foi morta pelo ex-amante, Nemésio, de 39 anos, na Ilha de São Miguel, nos Açores. A relação extraconjugal tinha acabado há poucos meses, mas o lavrador, toxicodependente, que tinha terminado a relação, alegava que ela andava a fazer bruxaria para o prejudicar. Matou Márcia com dez golpes de catana em Lomba de São Pedro, concelho da Ribeira Grande. O agressor tinha antecedentes policiais ligados a violência doméstica.
Não identificada, 40 anos, foi esfaqueada pelo namorado, de 31 anos, na casa onde morava, em São João do Estoril, Cascais. Os dois filhos, de 9 e 12 anos, fugiram durante o crime, que ocorreu de noite, sendo encontrados mais tarde pelas autoridades, perto da residência. A vítima acabaria por morrer no Hospital de Santa Maria.
Novembro
Maria de Deus foi morta com disparos de caçadeira pelo marido Eugénio, no sítio de Vale Mós, em São Bartolomeu de Messines (Silves). Ambos teriam cerca de 60 anos. O homicida suicidou-se de seguida.
– Notícia do Expresso, jornal parceiro do POSTAL
Apoio do Estado para vítimas de violência doméstica só chegou a oito mulheres
Durante o primeiro ano em que entrou em vigor, apenas por oito vezes foi atribuído o subsídio e a licença de dez dias para as mulheres mudarem de casa e reestruturarem a vida familiar, após serem vítimas de violência doméstica. De acordo com os dados fornecidos ao “Jornal de Notícias” pelo Instituto da Segurança Social, os pedidos para estes subsídios foram feitos por mulheres entre os 35 e os 62 anos, residentes nos distritos de Coimbra, Lisboa, Porto e Vila Real.
A União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) considera que “é muito importante que a licença exista”, admitindo que possa haver vítimas com condições laborais precárias que não usufruem da licença com medo de represálias.
O apoio entrou em vigor em novembro de 202o. Entre janeiro e setembro de 2021, há registo de 789 mulheres e 15 homens em situação de acolhimento, após serem vítimas de violência doméstica.