A Associação 289 recebeu recentemente a artista Pauliana Valente Pimentel, que apresentou a sua Masterclass, com o tema “A Linguagem e Estética Fotográfica – Fotografia de Autor”.
A apresentação tinha o trabalho dos últimos nove anos da fotografa. Ao longo da sessão foram ainda partilhados diversos projetos da artista, na análise do seu percurso e das metodologias que tem desenvolvido na captura de diferentes vidas e realidades um pouco por todo o mundo.
O evento decorreu de forma descontraída, com intervenção do público, que contactou com a artista e esclareceu algumas curiosidades sobre os seus trabalhos. Uma das coisas que mais chamou a atenção de quem assistia foi a diversidade de pessoas que estavam retratadas nos trabalhos da artista, como um grupo de transsexuais que vive em “comunidade” e a classe mais rica e pobre dos Açores.
Pauliana Valente Pimentel vive em Lisboa, trabalha entre vários países e faz trabalhos de fotoreportagem desde 1999 para diversos jornais e revistas portuguesas e estrangeiras, bem como exposições individuais e coletivas. Já recebeu inúmeros prémios, como o de Artes Visuais (2015), do melhor trabalho fotográfico do ano e “The Passenger” pela Sociedade Portuguesa de Autores.
Foi ainda distinguida para o Prémio “NOVO BANCO Photo 2016″, pela série “The Behaviour of Being”, tendo apresentado “Quel Pedra” no Museu Berardo no mesmo ano.
Para além disso, já fez exposições em diversos locais, como Portugal, Espanha, Itália, Inglaterra, Alemanha, Grécia, Turquia, EUA, China e Africa (Marrocos, Cabo Verde). A artista prestou algumas declarações ao POSTAL e contou que a paixão pela fotografia começou “quando surgiram as primeiras viagens a Ásia” e “ficava cinco semanas a explorar esses sítios”.
Para além de livros coletivos, em 2009 foi publicado o seu primeiro livro de autora “VOL I”, pela editora Pierre von Kleist e “Caucase, Souvenirs de Voyage”, pela Fundação Calouste Gulbenkian em 2011.
Pauliana Valente Pimentel falou sobre o trajeto profissional e revelou ainda que “eu sou daquela geração em que os pais não achavam piada nenhuma irmos para artes”. A artista é formada em geologia e confessa que “queria ter uma profissão, que não fosse das 9:00 às 17:00 horas e estivesse fechada num escritório”. A geologia permitia o contacto com o campo e natureza, tendo alguma relação com a fotografia que a artista faz: muito ligada ao real e ao natural. “Eu era muito boa no que fazia”, mas “tive te optar”.
O POSTAL questionou Pauliana Valente Pimentel acerca do que se pode ver através das suas fotografias e a artista respondeu que “o teu estilo, só vais conseguir perceber depois de algum tempo. Uma coisa que sempre me caracterizou foi […] o meu lado intimista de retratar pessoas e estar na intimidade delas”.
A RELAÇÃO COM O ALGARVE
A fotografa já tinha visitado o Algarve, principalmente na zona de Castro Marim e Vila Real de Santo António. Assim que viu a paisagem, ficou completamente “fascinada”, uma vez que “o Algarve que conhecia era Vilamoura e havia muita confusão”.
As pessoas e a própria zona fizeram com que Pauliana Valente Pimentel voltasse, até para visitar alguns amigos. Foi assim que decidiram, em conjunto, fazer uma residência artística, onde fez o projeto que lhe garantiu a nomeação para o “NOVO BANCO Photo 2016”. Esse projeto era uma parceria com uma galeria, onde estavam presentes artistas de Londres, e onde tinham de estar 10 dias na zona a fotografar. Este foi o primeiro contacto da artista com o Algarve, refere.
Em seguida, decidiu começar a fazer residências artísticas, convidar os alunos e retratar o Algarve. Numa dessas estadias, começou a dar atenção os ciganos nómadas que vivem ao lado da linha de comboio e no campo. “Foi uma oportunidade única” de mostrar a realidade. Numa apresentação, chamou ao conjunto de fotografias “Faro Oeste”, que chegou então ao projeto “Verão Azul”.
A residência no Algarve mostrou à artista que deveria continuar a explorar os acampamentos e as famílias, uma vez que “há imensas ai fora”. Este projeto propõe muitas visitas a locais remotos, que tornam o trabalho “complicado”, remata Pauliana Valente Pimentel.
“O SONHO DELES [CIGANOS] É TER UMA CASA”
A artista tem conhecido muitos locais habitados por ciganos, que são vitimas de racismo e esquecimento por parte da sociedade em geral. “O sonho deles [ciganos] é ter uma casa”, refere.
“[…] Perguntei ao ansião se poderia estar ali. Eu não roubo imagens”. Pauliana Valente Pimental explica que ganhar confiança é fundamental para se conseguir aproximar do povo cigano (e de qualquer outro, na verdade). “Tenho vivido coisas incríveis”, diz. “Sou aquela pessoa que não estou ali só para fotografar, sou capaz de estar uma hora a conversar com uma pessoa antes”.
As histórias que a artista tem no local acabam por ter muito a ver com as pessoas. Durante a conversa com o POSTAL, contou algumas situações mais ou menos caricatas, das quais se destaca uma em que questionaram a idade da fotografa e ficaram espantados com o seu ar jovial. Esta experiência demonstra, em parte, a situação de precariedade que se vive nestes locais, que acaba por “desgastar” mais quem lá vive, até pelo trabalho que desempenham.
A fotografa falou também na Helena. Esta senhora tem “pelo menos dois filhos”, um deles com 27 anos e com problemas a nível mental, que lhe causa ataques de pânico. Tiago é um jovem de “olhar profundo”, descreve. “Como eles vivem em barracas, no Cerro do Bruxo, estão a pedir acesso à habitação”, ainda por cima devido ao estado de saúde do jovem. Pauliana Valente Pimentel ajudou a família a escrever um pedido de ajuda à Câmara Municipal de Faro, para facilitar o processo. Por sua vez, aparece o Tiago e diz: “Podes-me fazer um retrato?”. A artista mostrou-se emocionada com o gesto.
“Os meus trabalhos têm de lançar questões” e está prometido no final um convite aos autarcas e também aos ciganos, que Pauliana Valente Pimentel acredita que não vão estar presentes. Caso não venham, está agendada uma segunda mostra.
O QUE É O “VERÃO AZUL”?
“É nos anos em que o festival não acontece que damos força à criação artística através do acolhimento de artistas e projectos em criação, que precisam do seu tempo e destes espaços para conseguir chegar a um formato final de obra artística”, explica a organização.
É proposto aos artistas em residência que se relacionem com a realidade local, seja através de integração das comunidades nos seus processos criativos ou através de uma pesquisa sobre o território e que terá repercussões sobre as suas obras.
Estas novas criações – realizadas em co-produção com o Verão Azul – serão depois apresentadas em 2021 na 10ª edição do Festival.
Mais informações AQUI.