“As prateleiras parecem cheias, mas há várias coisas em falta, em especial da nossa marca mais barata. Os portugueses têm comprado muita, muita coisa para a Ucrânia nos últimos dias e nós temos tido de reorganizar o espaço para evitar vazios”, explica uma funcionária do Continente de Matosinhos à “cliente mistério do Expresso”.
Uma ronda do Expresso por alguns supermercados na zona do Porto e de Lisboa confirma que a solidariedade para com a Ucrânia está a dificultar a reposição de stocks de alguns artigos. Já os contactos oficiais com as diferentes insígnias, encetados esta quinta-feira, tiveram apenas uma resposta oficial, do grupo Sonae: a MC, dona do Continente, garante que “está tudo tranquilo”.
Mas no hipermercado de Matosinhos daquela insígnia há artigos em falta. “Só nesta zona, faltam pensos rápidos, água oxigenada, compressas, fraldas, betadine, soro fisiológico, algodão”, responde enquanto explica como os vazios foram disfarçados com outros artigos como discos de limpeza facial, álcool “que ainda havia em stock“, artigos de marca, mais caros e, por isso, menos procurados para os donativos.
As conservas são outra “área de produtos muito visada” pelo aumento da procura induzida pela onda de solidariedade nacional para com a Ucrânia, refere outra colega, indicando que também se tornou habitual os clientes pedirem caixas de cartão para embalarem os artigos a doar.
A história da semana neste hipermercado é protagonizada por uma cliente que “encheu dois carrinhos de compras e pagou 700 euros na caixa, tudo para doar”. E como sabem? “Porque pediu caixas para embalar os artigos que comprou e explicou o pedido”, diz.
A colega que atende a cliente mistério do Expresso na caixa deste hipermercado confirma a história e a “grande procura” dos artigos já referidos enquanto apresenta a campanha da Missão Continente lançada hoje para recolher fundos de apoio à Ucrânia através da compra de vales de um ou cinco euros cujo valor será, depois, entregue ao Fundo de Emergência da Cruz Vermelha Portuguesa. “A adesão tem sido boa”, garante enquanto mostra o registo dos 10 vales que passou em menos de duas horas.
Rutura de Ben-u-ron e Bruffen
Em frente, na loja da Wells do NorteShopping, a funcionária que atende a cliente mistério do Expresso confirma também “o enorme espírito solidário dos portugueses”, traduzido na compra de medicamentos como Ben-u-ron ou Bruffen, a par de outros produtos já referidos no supermercado. “A procura foi tanta que neste momento não temos Bruffen”, adianta.
E a mais de 300 quilómetros de distância, noutra loja da mesma insígina, na zona de Oeiras, um colega diz precisamente a mesma coisa a outro cliente mistério do Expresso. “A procura foi tanta que tivemos rutura de Ben-u-ron e Brufeen. O Ben-u-ron já foi reposto, mas o Bruffen ainda não”, conta.
No supermercado do mesmo grupo no Oeiras Parque é visível que as prateleiras dos produtos enlatados estão desfalcadas, em especial no feijão frade, salsichas e grão. Pela hora de almoço, ainda há algumas latas, mas sobra o espaço vazio, tal como acontece na zona do arroz e da massa. Só há um kit de primeiros socorros e nas compressas, no álcool e compressas “também é visível que as compras para a Ucrânia têm sido muitas e deixaram alguma desarrumação, prateleiras vazias e outras quase sem nada”, confirma a funcionária da caixa.
No Pingo Doce de Matosinhos Sul, o cenário encontrado é idêntico. As embalagens de betadine estavam esgotadas esta sexta-feira, embora seja esperado um reforço de mercadoria ainda durante a tarde, refere uma funcionária da caixa onde se vendem medicamentos de venda livre. O soro fisiológico é outro bem em rutura devido à procura dos últimos dias, já só existindo a solução salina usada na limpeza de feridas em doses individuais.
Os enlatados, sobretudo de leguminosas como feijão e grão-de-bico ou conservas de atum e sardinhas, também registam “uma procura incomum”, mas na cadeia alimentar garantem não existir, pelo menos para já, rutura de stock.
Mesmo assim, à cautela, uma das funcionárias comenta que hoje também irá levar um sortido de enlatados, toalhitas higiénicas e álcool. São produtos que o filho, a frequentar o 3º ano do Ensino Básico, em Matosinhos, quer levar para a escola, na segunda-feira, a pedido da professora, no âmbito de mais uma remessa para a Ucrânia.
Ao contrário do que se passa na loja da cadeia de retalho alimentar do grupo Jerónimo Martins, o Mercadona de Matosinhos “não tem sentido excesso de procura dos bens mais requisitados” pelas associações de solidariedade de ajuda aos refugiados ucranianos. “As pessoas têm levado mais uns enlatados, mas não falta nada, tudo normal”, refere uma repositora. Nas prateleiras da cadeia espanhola, ainda há Betadine de vários tipos, bem como soro fisiológico de 100 ml, o mais vendido.
Já no Lidl mais próximo, há vários espaços vazios referentes a artigos diversificados como bolachas, fraldas ou pensos rápidos das marcas mais baratas e sobra apenas um frasco de água oxigenada. Na caixa, a cliente mistério do Expresso questiona: “Estes vazios foram provocados pelas compras para a Ucrânia?”. A funcionária sorri, “admite que talvez sim” e até acrescenta: “Espero bem que seja por isso mesmo. É uma boa causa e eu própria já dei o meu modesto contributo. Não tenho perguntado às pessoas, mas às vezes olhando para as compras penso com os meus botões que vão ali coisas para ajudar o povo ucraniano”.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL