A Ucrânia não é um anão económico, mas sofre de uma maldição geopolítica, a da geografia, com um gigante nuclear como vizinho que desde o início do século XXI pretende “corrigir” a herança do colapso da União Soviética (URSS) há trinta e um anos atrás.
A Ucrânia é a quarta maior economia no Leste da Europa, depois da Rússia, da Polónia e da Roménia. O seu Produto Interno Bruto (PIB), medido em paridade de poder de compra (para ser mais realista), é uma vez e meia superior ao português. Mas a riqueza média do seu povo, medida em PIB por habitante, em paridade de poder de compra, é apenas 39% da polaca (ou da portuguesa), 42% da romena e 47% da russa (ver tabela). Até o estado satélite de Moscovo, a Bielorrússia, tem um rendimento por habitante 32% superior ao ucraniano. Trinta anos volvidos sobre o corte da ligação com a URSS, o PIB per capita ainda está 11% abaixo do registado em 1991.
DA LONGA DEPRESSÃO DOS ANOS 90 AO COLAPSO DEPOIS DA ANEXAÇÃO DA CRIMEIA
O desastre social da evolução do PIB por habitante deriva de uma economia, que desde a segunda independência em agosto de 1991, sofreu 13 anos de recessões, vivendo uma longa depressão até 1999, com um colapso acumulado do PIB de mais de 80%.
Já depois da assinatura do Acordo de Associação com a União Europeia, a economia afundou-se quase 17% em 2014 e 2015, na sequência da crise política que levaria à fuga do presidente pró-Putin, à anexação da Crimeia pela Rússia e ao disparo em 80% do preço do gás russo fornecido pela Gazprom.
A maldição da geografia regressou em 2022, com a invasão da Ucrânia em fevereiro, um movimento estratégico da Rússia previsível desde a primeira incursão em 2014, com a anexação da Crimeia, uma península estratégica no Mar Negro, e o apoio aos movimentos separatistas na região do Donbass, no sudeste da Ucrânia.
CHINA E POLÓNIA TORNAM-SE PRINCIPAIS CLIENTES
Para Moscovo, o Acordo de Associação com a União Europeia que entrou em vigor pleno em setembro de 2017, a queda da Rússia para terceiro cliente, atrás da China e da Polónia (o principal parceiro membro da União Europeia), e a aceleração do crescimento da Ucrânia entre 2016 e 2019 (com uma taxa anual acima da russa) eram más notícias em relação à antiga dependência estratégica da Rússia. O isolamento económico da Ucrânia em relação à União Europeia (que compra 19% das exportações ucranianas) e o domínio dos portos ucranianos estratégicos no Mar Negro (Odessa e Mariupol) são peças essenciais da estratégia de Putin.
Em 20 anos, de facto, o perfil das exportações ucranianas mudou radicalmente. A China passou de 5º para 1º comprador, a Polónia de 6º para 2º, e a Índia de 10º para 4º. A Rússia caiu de 1º para 3º. No tipo de exportações, a Ucrânia começou a concorrer mais com a Rússia. Os cereais passaram de menos de 1% nas exportações para 19% e os óleos alimentares de 2,6% para 12% (ver gráfico). A ascensão da China é o fenómeno marcante, com um crescimento recorde de 73% nas compras em 2019 em relação ao ano anterior.
A invasão iniciada em fevereiro, com um grau de destruição massivo, liquidou a própria recuperação da crise pandémica de 2020 já sob a presidência de Volodymyr Zelensky, empossado em maio de 2019. Para enfrentar a situação de catástrofe económica, provocada pela invasão russa, a Ucrânia aguarda um financiamento de emergência de 1,4 mil milhões de dólares (€1,3 mil milhões) por parte do Fundo Monetário Internacional - que já injetou 3,4 mil milhões de dólares em 2021 (€2,9 mil milhões ao câmbio da altura) - e de mais de 720 mil milhões de dólares (€656 mil milhões) por parte do Banco Mundial.
Refira-se, finalmente, que uma grande parte da Ucrânia registou a sua primeira independência em fevereiro de 1917 depois da revolução que acabou com o império czarista russo. Em outubro de 1917, depois da revolução bolchevique dirigida por Lenine e Trótski ter triunfado, a Ucrânia consolidou a sua independência e uniu-se em 1919 com a região da Galicia Oriental que fazia parte do império Austro-Húngaro que desapareceu após a 1ª Guerra Mundial. Em 1922, a Ucrânia foi uma das repúblicas fundadoras da União Soviética.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL