Vinte anos depois de várias organizações ambientalistas e empresas ligadas ao turismo da natureza terem começado a apelar para a sua proteção, a Lagoa dos Salgados, no Algarve, vai finalmente ser classificada como área protegida. A criação da nova Reserva Natural da Lagoa dos Salgados foi formalmente anunciada pelo Ministro do Ambiente e da Ação Climática, esta terça-feira, em Silves. O processo entra em discussão pública na quinta-feira.
De visita ao local, o ministro João Pedro Matos Fernandes fez questão de lembrar que esta é a primeira área protegida a ser criada em 21 anos. A concretizar-se, será a segunda reserva natural classificada na região algarvia desde a década de 70 do século XX. A primeira foi a do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António, em 1975.
No Algarve as áreas classificadas — Reserva Natural de Castro Marim, Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, Parque Natural da Ria Formosa e as Áreas de Paisagem Protegidas Locais da Rocha da Pena e da Fonte Benémola — cobre cerca de 8,6 % (43.000 ha) do território. A estas áreas vão juntar-se cerca de 400 hectares de terras, dunas e sapais localizados entre a Ribeira de Alcantarilha, a Oeste, e a Ribeira de Espiche, a Este.
A inclusão do sapal da Foz de Alcantarilha e do mosaico de habitats onde se cruzam prados, lagoas, sapais, dunas e terrenos agrícolas vai ao encontro do que ambientalistas como Domingos Leitão, da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), ou João Ministro, empresário de turismo da natureza e membro da associação Almargem, há muito defendiam. “Esta classificação da Lagoa dos Salgados como Reserva Natural é uma mais valia não só em termos ambientais como económicos”, frisa Domingos Leitão.
Já João Ministro lembra que este hot spot para observadores de aves e investigadores “atrai há mais de duas décadas ‘birdwatchers’ de todo o mundo, turistas da natureza e até investigadores de universidades estrangeiras” que aí fazem “trabalho de campo com os alunos”.
Na Lagoa dos Salgados já foram observadas mais de 150 espécies de aves, sobretudo aquáticas, e nos campos agrícolas em redor existe uma população de uma planta endémica algarvia (a Linaria algarviana) que não existe em mais lugar nenhum do mundo.
Esta classificação tem na sua génese vários movimentos, entre os quais uma petição pública — “Save Salgados” — que reuniu mais de 35.000 assinaturas. A proposta estava a ser trabalhada há alguns anos e foi tornada pública pelo Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) a 22 de novembro.
Ambientalistas e empresários do turismo de natureza aguardam agora pela consulta da documentação — que será colocada no portal Participa a 9 de dezembro — para perceber quão protegida ficará a Lagoa dos Salgados, tendo em conta os alegados “direitos adquiridos” de construção na área.
Em causa está o projeto turístico-imobiliário previsto para a zona, que acabou chumbado em sede de Relatório de Conformidade Ambiental do Projeto de Execução (RECAPE). “Apesar do atual PDM de Silves condicionar bastante a ocupação/alteração do uso do solo naquela área, interessa ressalvar que continua a pairar sobre esta área a ameaça do megaempreendimento que está previsto para a zona da Praia Grande”, alerta a Almargem. O dito “eco-resort”, agora nas mãos do Banco Millenium BCP, contempla três hotéis, 350 unidades residenciais integradas em aldeamentos turísticos (4.000 camas) e um campo de golfe com 18 buracos.
“Consideramos que não pode haver direitos adquiridos, porque os atos que os precedem são ilegais”, afirma ao Expresso o dirigente da SPEA. Domingos Leitão lembra que seis organizações não governamentais do ambiente avançaram há seis anos com uma ação que pede a impugnação do Plano de Pormenor da Praia Grande de Silves e a anulação da Declaração de Impacte Ambiental condicionada. “Com esta classificação o ICNF veio dar-nos razão, e tal projeto imobiliário nunca poderá ser aprovado”, diz.
Em declarações públicas esta terça-feira, o ministro Matos Fernandes garantiu que a interpretação do ministério também aponta para a inexistência de direitos adquiridos.
Contudo, como lembra Anabela Santos, da associação Almargem, “é expectável que os promotores imobiliários venham a contestar a classificação da Lagoa dos Salgados como reserva Natural”. A associação espera, no entanto, “que o ICNF se empenhe a tomar medidas concretas que promovam a efetiva proteção das duas zonas húmidas existentes na zona, e da área que as enquadra”.
– Notícia do Expresso, jornal parceiro do POSTAL