Quem são, como vivem, o que pensam e o que sentem os jovens portugueses? Responder a estas perguntas foi o objetivo do estudo “Os jovens em Portugal, hoje”, organizado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos a partir de um inquérito realizado em junho do ano passado a 4904 pessoas entre os 15 e os 34 anos, em representação dos 2,2 milhões de jovens que constituem esta população no país. Coordenado por Laura Sagnier e Alex Morell, o trabalho será apresentado este fim de semana numa conferência em Lisboa. Eis o retrato de uma geração.
Os salários baixos são transversais entre os jovens: quase três em cada quatro (72%) recebem menos de 950 euros líquidos por mês. Só uma minoria vive confortavelmente com o que ganha (19%). Cerca de metade tem um contrato instável e já passou por quatro ou cinco empregos, sendo que um quarto (26%) pensa todos os dias em deixar o emprego.
RENDIMENTO MENSAL LÍQUIDO
“É algo estrutural, que marca muito os jovens e com impactos diferenciados consoante, por exemplo, as condições económicas da família de origem. Entre os jovens mais desfavorecidos esta realidade tem um impacto ainda mais forte”, frisa Vítor Sérgio Ferreira, sociólogo e vice-coordenador do Observatório Permanente da Juventude.
REALIZAÇÃO COM O TRABALHO
Há 14% de desempregados e, desses, cerca de um terço já perdeu o emprego depois da pandemia.
Quase todos concordam que “há cada vez menos oportunidades de arranjar emprego em Portugal para quem está agora a entrar no mercado de trabalho” e um terço (30%) tem a certeza de que irá viver para o estrangeiro. Os que têm menos habilitações mostram-se mais disponíveis para emigrar.
Entre os jovens que já não estão a estudar, 35% acabaram o ensino superior e 46% ficaram pelo ensino secundário ou pós-secundário (cursos dos politécnicos que não conferem grau superior). Questionados por que razão não foram para a universidade, cerca de metade (46%) aponta para motivos económicos – falta de dinheiro (32%) e necessidade de trabalhar para manter a família (14%).
MOTIVOS PARA NÃO IREM OU NÃO COMPLETAREM O ENSINO SUPERIOR
“Há desigualdades no acesso ao ensino superior, uma vez que depende do apoio económico que as famílias conseguem dar. Dificilmente um salário mínimo permite pagar estudos a um aluno que esteja deslocado de sua casa, somando renda e despesas. As bolsas são limitadas e com baixa taxa de cobertura. E é prioritário apostar nas residências para estudantes”, defende o economista João Cerejeira.
A grande maioria dos jovens que foram para a faculdade fizeram-no para ter um melhor posto de trabalho (69%) e salário mais alto (63%). Apesar das dificuldades no mercado de trabalho, uma escolaridade mais elevada “continua a garantir aos jovens uma melhor posição de partida na grande maioria das áreas da vida”, conclui o estudo.
O estudo faz um retrato preocupante do bem-estar psicológico dos jovens. Quase um quarto (23%) já esteve medicado com ansiolíticos ou antidepressivos (mais as mulheres do que os homens) e 12% tomam regularmente medicamentos para dormir.
Dizem sentir bastante ou muita pressão social para «ter sucesso no trabalho ou nos estudos» (69%) e, em segundo lugar, para «não desiludir a família». E 42% confessam já ter sofrido alguma situação de assédio ou violência, seja na escola, trabalho ou relações de intimidade. Mas há uma enorme diferença entre os sexos: 53 % das vítimas foram mulheres e 32% homens.
No geral, cerca de 40% dos jovens consideram que a vida que levam está abaixo ou muito abaixo das expectativas que tinham e um terço dizem-se pouco felizes. Quase um quarto (23%) já tentaram acabar com a vida ou pensaram nisso (quase duas vezes mais as mulheres do que os homens) e 12% já “infligiram lesões no seu corpo de forma intencional”.
GRAU DE FELICIDADE POR FAIXA ETÁRIA
“O consumo de ansiolíticos ou antidepressivos está a aumentar nos jovens desde 2019 e subiu ainda mais com a pandemia. A percentagem de jovens com intenções suicidas parece-me muito grave e tem de ser bem analisada”, alerta Margarida Gaspar de Matos, psicóloga especializada em jovens, que tem notado na prática clínica um aumento do sofrimento dos mais novos.
Entre os jovens que já atingiram a maioridade, pouco mais de metade (53%) declaram votar sempre, mas são poucos os que nunca votam (14%). “O sentimento de afastamento em relação às instituições e aos políticos é comungado pela população em geral, não é uma especificidade geracional”, diz Vítor Sérgio Ferreira, sublinhando, porém, que os jovens “estão muito pouco representados” na atual classe política.
Em geral, os homens mostram um pouco mais de interesse na política, mas são as mulheres que mais frequentemente exercem o direito de voto (56% face a 49%). Ideologicamente, a posição intermédia entre a esquerda e a direita é a mais habitual, havendo um pouco mais mulheres (33%) do que homens (26%) no extremo da esquerda e o contrário no extremo da direita (35% face a 26% das mulheres).
O mais habitual é os jovens não terem o hábito de participar em nenhuma ação social ou política (35%) ou numa única por ano (29%). “Não são propriamente participativos no que implica compromissos duradouros e formais. Veem-se mais movimentos por causas ligadas às suas condições de vida e identidade, seja pelo ambiente, anti-racismo ou LGBTI”, refere o sociólogo. Para a maioria dos jovens (60%), a eutanásia justifica-se “sempre ou quase sempre” e 54% sentem o mesmo em relação às “barrigas de aluguer”. As mulheres mostram-se muito mais tolerantes do que os homens, nomeadamente em questões como a imigração e a orientação sexual.
Cresceram num ambiente familiar pouco igualitário: 75% afirmam ser a mãe que assegura grande parte ou a totalidade das tarefas domésticas. Quando saem de casa dos pais e começam a viver uma relação conjugal, o desequilíbrio mantém-se, embora mais atenuado. Em média, as mulheres jovens dedicam, por dia, mais 40 minutos diários às tarefas domésticas do que os homens.
Relativamente a cuidar dos filhos, os jovens revelam uma visão bastante mais igualitária do que as gerações anteriores: a maioria (60%) considera que mãe e pai deviam dividir ao meio o tempo da licença paga.
“Mostram cada vez mais vontade de mudar rumo à igualdade, mas essa vontade esbarra na estrutura do mercado de trabalho, que continua a encarar o homem como sendo o trabalhador ideal. A mulher ainda é vista, em primeiro lugar, como uma pessoa com responsabilidades familiares e só depois como trabalhadora”, explica Diana Maciel, do Centro Interdisciplinar de Estudos de Género da Universidade de Lisboa.
E isso reflete-se nos salários. Só em 19% dos jovens casais, a mulher ganha o mesmo que o homem. Apesar dos progressos, quase metade (47%) dos jovens do sexo masculino ainda evidenciam uma “atitude machista”, sobretudo os que têm menos instrução e os mais novos (15-24 anos por comparação com os maiores de 25). “Tendencialmente, os mais novos têm uma visão mais polarizada dos papéis de género, que depois se vai atenuando com a idade”, adianta a investigadora.
A maioria dos jovens (57%) ainda vive em casa dos pais ou outros familiares; 29% já vivem na sua própria casa com o/a companheiro/a, enquanto 9% partilham casa com outras pessoas e 5% vivem sozinhos. É mais importante para os homens (70%) do que para as mulheres (53%) terem companheiro/a para se sentirem felizes.
ONDE VIVEM
A grande maioria quer ter filhos; 17% não sabem se querem ou não vir a ser pais e 7% afirmam não ter esse projeto (mais elas – 8% – do que eles – 6%). Entre estes, o motivo mais referido é “não gosto da maternidade/paternidade e não tenho instinto” (35%), seguido de “não quero renunciar à minha vida/felicidade” (19%).
ORIENTAÇÃO SEXUAL
A primeira relação sexual ocorre, em média, aos 17 anos. No que diz respeito à orientação sexual, 85% dos jovens declaram ser heterossexuais, 8% bissexuais, 6% homossexuais e 1% assexuais. Entre os que não são heterossexuais, mais de um terço ainda não o revelaram à família.
Dois em cada três jovens praticam desporto pelo menos uma vez por semana – muito mais eles (72%) do que elas (59%). Quase um quinto (17%) segue algum regime alimentar específico, sendo os regimes “sem lactose” e vegetariano os mais prevalentes (seguidos por 8% e 5% dos jovens, respetivamente). A grande maioria (76%) não fuma, mas bebe e 35% são consumidores frequentes de álcool. Em média, começam a sair à noite com 16 anos e 15% admitem ficar embriagados regularmente. Relativamente a drogas duras, cerca de 10% assumem já ter experimentado, embora só 3% afirmem consumir atualmente. É nas redes sociais e nos videojogos que se entretêm em grande parte do tempo livre. Cerca de 50% passam pelo menos duas horas por dia nas redes sociais e um em cada dez cinco horas ou mais; mais de metade jogam computador ou consola pelo menos uma hora/dia e 21% fazem apostas online.
– Notícia do Expresso, jornal parceiro do POSTAL