O Egito é, provavelmente, o país que mais depende de um único rio em todo o mundo: o Nilo. Num contexto global repleto de conflitos, o principal receio do Cairo não é um ataque de um exército estrangeiro ou uma ameaça terrorista, mas sim a possibilidade de escassez de água. Esta preocupação tornou-se ainda mais concreta nos últimos anos, especialmente devido à construção da Grande Barragem do Renascimento Etíope (GERD). Localizada nas terras altas da Etiópia, no Nilo Azul, esta obra monumental representa, simultaneamente, uma ambição de desenvolvimento económico e o centro de tensões geopolíticas entre duas potências regionais que, inevitavelmente, terão de chegar a um entendimento.
A GERD é uma obra colossal, como revela a Executive Digest. Com capacidade para armazenar 74 mil milhões de metros cúbicos de água e uma potência hidroelétrica de 6.450 megawatts, a barragem promete transformar a economia etíope, mas também suscita receios quanto ao impacto no fluxo do Nilo, que tem sido a base da sobrevivência do Egito ao longo de milénios. A construção desta infraestrutura teve início em 2013, e desde então as tensões entre a Etiópia e o Egito têm vindo a crescer. O Cairo apelou veementemente à suspensão das obras, argumentando que a maior parte dos seus 112 milhões de habitantes depende do caudal do Nilo para sobreviver. A Etiópia, por sua vez, defendeu que a barragem é essencial para fornecer energia elétrica aos seus 126 milhões de habitantes.
No final de 2023, a Etiópia anunciou, com grande entusiasmo, a conclusão do enchimento da barragem, apesar das fortes objeções do Egito e do Sudão, que exigiam um acordo prévio sobre os mecanismos de gestão do caudal. Adis Abeba ignorou estas exigências e, em 2024, completou a construção, ativando duas turbinas adicionais, com capacidade para gerar 400 megawatts cada. Estas juntaram-se a outras duas turbinas já em funcionamento, com 375 megawatts de capacidade cada, totalizando 1.550 megawatts de energia produzida.
Com 145 metros de altura e 1,8 quilómetros de comprimento, a GERD é a maior barragem de África e uma das maiores do mundo. Este titã de betão, como destacado pelo jornal espanhol El Economista, foi projetado para fornecer energia elétrica suficiente para toda a Etiópia, além de permitir a exportação de energia para países vizinhos. Para a Etiópia, trata-se de um símbolo de orgulho nacional e autossuficiência; para o Egito, é um risco existencial. “Para os egípcios, a construção da barragem é uma questão que ameaça a sua existência: um dos exemplos mais claros de um país que é prisioneiro da geografia. O Nilo é a força vital do país e do seu povo”, afirmou Tim Marshall, escritor e especialista em geografia e geopolítica.
O grande receio do Egito é que, se a Etiópia decidir controlar o fluxo de água, isso poderá comprometer severamente a sua sobrevivência. “Não é que a Etiópia pretenda fechar a torneira completamente, mas terá capacidade para o fazer”, sublinhou Marshall. Essa possibilidade já é suficiente para causar preocupação. “O Egito é um país maioritariamente desértico, e 95% da sua população vive nas margens do delta do Nilo. O Cairo teme que a retenção de apenas 10% da água, durante alguns anos, possa deixar cinco milhões de agricultores sem trabalho, reduzir a produção agrícola para metade e desestabilizar ainda mais o país.”
As disputas em torno do controlo do Nilo remontam aos tempos faraónicos, mas a construção da GERD elevou a tensão a um nível crítico. A Etiópia defende o seu direito a utilizar os recursos hídricos para o seu desenvolvimento, argumentando que mais de 60% da sua população ainda não tem acesso a eletricidade. O Egito, por outro lado, exige garantias de que o funcionamento da barragem não comprometerá as suas necessidades de água, sobretudo durante períodos de seca.
Neste cenário complexo, o Sudão desempenha um papel de intermediário. Apesar de poder beneficiar da barragem através de um melhor controlo das cheias e energia elétrica mais acessível, o Sudão também receia os possíveis impactos negativos de uma gestão unilateral por parte da Etiópia.
A diplomacia internacional tem tentado amenizar as tensões, mas com resultados limitados. Negociações mediadas pelas Nações Unidas, União Africana e outros países, como os Estados Unidos, têm resultado em acordos temporários, sem soluções definitivas. O Egito já deixou claro que “todas as opções estão em cima da mesa” se o fluxo de água não for garantido, sugerindo implicitamente a possibilidade de um conflito armado.
A GERD é mais do que uma barragem; é um símbolo de desenvolvimento, mas também de disputa. Para o Egito, o futuro do país está intrinsecamente ligado ao Nilo, enquanto para a Etiópia, esta infraestrutura representa uma oportunidade para superar desafios históricos de pobreza e subdesenvolvimento. O equilíbrio entre estas duas realidades continuará a desafiar a diplomacia e a estabilidade na região.
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