Os moradores da zona da Pereira (Portimão) assumem terem temido pelas suas casas quando viram o fogo a aproximar-se das habitações, mas revelam alívio por nenhuma ter sido atingida e o susto já ter passado.
O fumo denso que se fazia sentir na tarde de sábado na zona do Autódromo Internacional do Algarve em Portimão já não existe, mas as colinas nos cerca de dois mil hectares ardidos no fogo que lavrou, desde as 13:30 de sábado, mostram-se hoje pretas e aqui e ali ainda são visíveis pequenas colunas de fumo.
Em conferência de imprensa hoje manhã, o comandante das operações Richard Marques revelava preocupação com o aumento da intensidade do vento durante a tarde e uma viagem da Lusa pelos caminhos municipais à volta da aldeia da Pereira confirmam essa realidade.
É possível ver pequenos reacendimentos nos terrenos agora queimados ou nuvens de cinza que se levantam à beira da estrada ou em zonas de mato reduzido agora a pó.
O incêndio deste fim de semana é tema de conversa na esplanada de um dos cafés da aldeia da Pereira, com uma análise crítica à atuação dos bombeiros e da Guarda Nacional Republicana (GNR) e elogios ao vizinho que “salvou a casa” com a máquina de rasto.
“A GNR quis que saíssemos mas não saímos. Salvei os meus animais e o que pude porque estava lá e porque o vizinho andou sem parar com a máquina [de rasto] de um lado para o outro. Foi ele que salvou as casas”, aponta Francisco que toma o café com a mulher Sandra e os três filhos.
O casal que se mudou há 15 anos para o campo viu o terreno com culturas e árvores de fruto “arder todo”, mas salvou “os animais e tudo o resto”.
“Foi um susto e bem grande, dá para ver que está tudo queimado aqui à volta” lamenta.
Mais para norte, na estrada que liga o ponto de ignição já no concelho de Monchique é visível uma coluna de fumo numa das colinas e é para lá onde se dirigem dois dos aviões bombardeiros que ajudam a fazer o rescaldo.
À beira da estrada, um pequeno foco de reacendimento é combatido com um balde de água e uma ramagem verde por José da Conceição. Com 80 anos, procura “salvar” o tubo de água que lhe alimenta a casa e o cabo elétrico que alimenta a bomba, para que ainda possa aproveitar “uma parte” e restabelecer a ligação.
“Sempre vivi aqui e nunca vi isto tão bravo como ontem [sábado], foi uma coisa fora do normal” revela à Lusa, entre arremessos da ramagem num pequeno fogacho e a nuvem de cinza que se levanta com uma rajada de vento.
A sua casa “nunca esteve ameaçada” porque a terra estava “toda arada e limpa em redor”, mas confessa que não saiu quando a GNR lhe indicou.
Em 2003 o fogo também por aqui passou, mas “não foi tão intenso”, o deste fim de semana fê-lo perder “quase 200 colmeias”, mas “safaram-se oito bidons de mel” que “alguma coisa hão de ajudar à reforma”, destaca.
A conversa é interrompida por mais um ponto que se reacende. “Olha, olha, isto está sempre a acender”, remata, enquanto dá mais três pancadas na labareda que se esfuma.
De regresso à aldeia, as colmeias de António Nunes são facilmente visíveis da estrada e motivo de paragem, admiração fotografia de que quem aproveitou o domingo para passear com a família pelas zonas ardidas e contemplar a destruição que o fogo deixou.
É no final da conversa como um amigo, no caminho de acesso à casa, que o apicultor revela a angústia das últimas horas.
“Foi terrível, uma noite sem dormir. Arderam cinco carros que o meu filho repara aqui e as meias alças das colmeias que estávamos a tentar colocar nos contentores para salvar. A carrinha cheia de mel ainda consegui colocar na garagem, salvou-se”, afirma.
Estava a retirar mel de colmeias que tem num serro próximo, quando começou a ver fumo e dirigiu-se para casa numa altura em que o fogo “ainda não tinha chegado”.
Combateu as chamas como pode, com as mangueiras que tinha, o suficiente para salvar a casa, mas não as centenas de alças das colmeias – que calcula em “30 mil euros de prejuízo” – nem os contentores que serviam de abrigo ao material de apicultura.
Agora vai “deixar tudo como está” e saber se haverá apoios para fazer face aos prejuízos, depois “limpar e meter mão à obra”.
Na estrada que liga a aldeia da Pereira a Arão – um dos pontos de preocupação para reacendimento referido de manhã pelo comandante das operações – a presença de bombeiros é mais notória, com viaturas do distrito de Setúbal e de Beja na beira da estrada ou a circularem por vias de terra batida.
Os trabalhos de rescaldo obrigam a condicionar a circulação na estrada onde os operacionais desenrolam mangueiras para atacar mais um reacendimento. No topo da colina, quatro bombeiros combatem as chamas, mas o crescente barulho de motores revela a aproximação dos aviões e fá-los afastarem-se a correr, a tempo de não serem atingidos por duas largadas de água.
Na estrada, a fila de carros vai-se acumulando e o militar da GNR vê-se obrigado a indicar mais uma vez que “não podem passar” e que terão de aguardar. “Continuamos a ter o turismo dos incêndios, é uma tristeza” lamenta.
As copas das árvores que resistiram às chamas permitem perceber que o vento continua a soprar com intensidade no topo de vários serros e sentido no vale onde passa a estrada, justificando a preocupação das autoridades e a manutenção de centenas de meios no terreno.
O incêndio teve início na zona do Tojeiro, freguesia de Marmelete, concelho de Monchique com o alerta a ser dado cerca das 13:30 de sábado e lavrou com alguma intensidade em duas frentes, uma para sul que passou para o concelho de Portimão e outra a norte junto à zona de ignição.
Às 17:30 estavam no terreno 439 operacionais apoiados por 150 veículos, quatro meios aéreos e oito máquinas de rasto.