Quando os militares norte-americanos começaram a deixar o Afeganistão e os talibãs voltaram ao poder, a vida de Sediga nunca mais foi a mesma. Largou os estudos, perdeu o emprego e viu-se forçada a abandonar o país. Destino: Fundão, no interior de Portugal, onde chegou em novembro do ano passado. Acolhida no Centro de Migrações, começou a trabalhar como mediadora de outras famílias de refugiados. E foi pela sua mão que em janeiro recebeu e ajudou a integrar uma família afegã de 13 pessoas, todos a viver no Centro de Migrações daquela cidade.
A imigração é apontada como uma das formas de compensar a crise demográfica portuguesa. Os números são um alerta: nos próximos 50 anos vamos perder população — dos atuais 10,3 milhões para 8,2 milhões; os jovens vão ser cada vez menos — de 1,4 milhões para cerca de 1 milhão; e o número de idosos com mais de 65 anos passará de 2,2 milhões para 3 milhões. O índice de envelhecimento em Portugal quase duplicará, passando de 159 para 300 idosos por cada 100 jovens. Este foi um dos temas abordados no webtalk do Expresso (ver caixa) — “Trabalhar Mais, Poupar Mais ou Abrir as Portas” —, que se realizou esta semana.
“Para termos dinamismo demográfico, eventualmente teremos de ter mais imigração. Mas é preciso também mais eficiência”, disse o ex-ministro Augusto Mateus, um dos oradores do certame, levantando a questão da fraca produtividade em Portugal. O nosso país é um dos que apresenta menores níveis de produtividade real por hora trabalhada, integrando os seis Estados-membros com menor capacidade de gerar riqueza, situando-se em cerca de 65% da média europeia. “Precisamos de trabalhar melhor”, resumiu Augusto Mateus.
O escritor e cronista Henrique Raposo, outro dos convidados do debate, insiste na questão da produtividade: “Não conheço nenhum país em que seja tão difícil articular o trabalho com a família. Na Alemanha começava a trabalhar às 8 da manhã e saía às 4. Mas acabava sempre por sair mais tarde, até que me disseram: ‘Tens de sair às 4, para tratares da tua vida. Se não trabalhaste como deve ser até às 4 é porque não foste produtivo.’”
Amílcar Moreira, professor do ISEG, diz que, “se os salários evoluírem em função dos ganhos de produtividade, isto significa que, mesmo baixando o número de trabalhadores na economia, os salários manter-se-iam relativamente estáveis, assim como as contribuições”.
Susana Peralta, professora da Nova SBE, afirma que a crise demográfica — e o aumento das contribuições — poderá passar pela imigração. “Temos de aumentar a população ativa. Será mais rápido de se fazer com a imigração do que com a natalidade. Esse fluxo de imigração deve ser de choque permanente, para ir renovando o stock.”
O exemplo do Fundão é paradigmático. Em setembro de 2018, o antigo Seminário da cidade deu lugar a um centro nacional para refugiados. Atualmente, o concelho alberga cidadãos de 67 nacionalidades, todos integrados, a trabalhar, e muitos deles já conseguiram trazer as famílias e aprender a língua. O programa municipal inclui ainda uma forte articulação com o tecido empresarial. “Apostamos primeiro na inovação, em trazer empresas de tecnologia para esta região, e depois na imigração. Queremos ser um exemplo nacional”, diz o presidente da Câmara, Paulo Fernandes, sublinhando a dinâmica económica que estes cidadãos trouxeram para o Fundão, dando um contributo para reduzir a desertificação que afeta todo o interior do país.
Passar a reforma em Portugal
Um destes contributos veio de Aman Kohli, de 26 anos, que chegou da Índia “em busca de paz”. “Abri há oito meses uma loja com produtos alimentares que não existia em Portugal. Quando cheguei, as pessoas foram muito amigáveis, sinto-me em casa.” Tal como a afegã Sediga Danish, de 28 anos, também ele se tornou mediador dos refugiados que chegam ao Fundão.
E de que forma é que isto pode influenciar a poupança em Portugal? Trata-se de equilibrar as contas entre a população ativa — que financia os atuais pensionistas — e os reformados, permitindo assim contornar as previsões do último aging report da UE, que estima uma quebra nas taxas de substituição — diferença entre o último salário e a primeira pensão — na ordem dos 50%.
Para Luís Alvarenga, gestor do BPI Gestão de Ativos, a solução para aumentar a poupança passa por uma combinação dos três fatores em discussão no webtalk: “Precisamos de trabalhar mais, de poupar mais e de abrir as portas. A importância da imigração foi evidente nos últimos anos, para equilibrar o nosso saldo demográfico. Recentemente houve uma nova vaga associada ao teletrabalho, pessoas que querem passar a reforma em Portugal, o que não acontecia há 10 anos.”
O que será feito das nossas poupanças?
O nível de poupança aumentou na pandemia. Vem aí a inflação, e os economistas desaconselham o consumo
A taxa de poupança dos portugueses atingiu valores elevados durante a pandemia, passando de 7,4% para 14,2%. Durante este período houve também uma corrida aos depósitos a prazo e à ordem. Com esta dinâmica, a inflação vai disparar, e os economistas aconselham prudência: menos consumo e mais aforro. Esta foi uma das conclusões do webtalk desta semana, que contou com a participação de Augusto Mateus, economista, Henrique Raposo, escritor e cronista, e Luís Alvarenga, gestor do BPI Gestão de Ativos.
“Espero que a poupança não tenha sido conjuntural, mas temo que sim. Os dados mais recentes já mostram alguma queda na taxa de poupança, o que é natural. Estamos em linha com outros países, mas o que me preocupa são as tendências, que mostram níveis de poupança preocupantes, e custa-me acreditar que tenha havido uma inversão”, disse Alvarenga, acrescentando que deveria ser mostrado à população como é importante a poupança. “Este é um momento-chave para abordar o assunto.”
Henrique Raposo acredita que as gerações mais novas apenas terão consciência da poupança quando perceberem que a sua pensão vai ser metade do salário. “O sistema de pensões tornou-se um tabu em Portugal. Os mais novos não querem pensar nisso e os mais velhos também não. Há uma injustiça geracional, porque há gerações que tiveram taxas de substituição de 100%”, ou seja, sem qualquer perda de rendimento. “Quando me reformar sei que vou ter 40% da minha reforma, e a minha geração será a mais sacrificada, daí a importância de poupar. Precisamos também de pensar em debates com os mais novos, para contribuírem para outro sistema de Segurança Social, mais realista.”
Produtividade
27,9
é a produtividade real por hora trabalhada em Portugal, um dos seis Estados-membros com menor produtividade, ou seja, que geram menos riqueza por hora de trabalho.
771
mil é o número de cidadãos estrangeiros a viver em Portugal, quase o dobro de 2015. Mais de 109 mil obtiveram autorização de residência em 2021.
4,8
milhões é o número total de pessoas empregadas em Portugal; durante a crise de 2011, rondava 4,4 milhões de trabalhadores.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL