Dream, Sky, Pacific, Nirvana, Quantum Blue e Solaris poderiam ser títulos de canções, mantras espirituais ou palavras avistadas em estabelecimentos de qualquer resort paradisíaco. A moeda russa quebra e a Europa inquina para perto do precipício da guerra, mas estes que integram a lista dos mais de 30 iates de oligarcas russos conhecidos provam que, pelo menos por momentos, os mais ricos podem ser uma ilha. Desde que as sanções internacionais foram anunciadas, as flutuações da economia russa levaram a que os proprietários das grandes embarcações de luxo decidissem ancorá-las em águas mais quentes e tranquilas, desde as Maldivas e as Seicheles, passando pelo México ou o Mónaco, denuncia a Forbes.
Nesta quinta-feira o iate pertencente ao oligarca Igor Sechin foi encontrado e travado pelas autoridades francesas. O iate do bilionário russo Alisher Usmanov foi também apreendido na Alemanha. No entanto, muitos continuam a navegar longe dos radares das autoridades europeias.
Quando os líderes dos países ocidentais tornaram os oligarcas russos um alvo, apontando aos “seus iates, apartamentos de luxo e aviões privados”, a ideia era levar os proprietários de grandes fortunas a pressionar Vladimir Putin para pôr fim à guerra. Cinco bilionários russos que nunca tinham sido sancionados anteriormente foram surpreendidos com restrições económicas, como limitações de viagens na União Europeia, congelamento de bens, e ameaças que pairam sob os seus iates e aviões privados. Estão em causa figuras tão proeminentes como Alexey Mordashov, a segunda pessoa mais rica da Rússia, Mikhail Fridman e Pyotr Aven, cofundadores do Alfa-Bank, o investidor Alisher Usmanov, e o magnata do ramo imobiliário Alexander Ponomarenko. Um sexto homem, ligado à indústria petrolífera e ao negócio do gás, Gennady Timchenko, foi também visado pelas sanções da União Europeia, mas já tinha sentido na pele a mão pesada dos Estados Unidos da América e do Reino Unido, que o sancionaram em 2014.
Casas nos países da UE e ativos retidos nos Estados-membros
Aliás, a lista dos oligarcas russos visados pelas imposições europeias e norte-americanas após a invasão russa da Ucrânia continua a aumentar. Mikhail Fridman, punido pela UE, tem também cidadania israelita. Fundador do Alfa-Bank, o maior banco não estatal da Rússia, transferiu, em 2013, os seus ativos para uma empresa de um Estado-membro da UE: a LetterOne Holdings S.A., no Luxemburgo. Detém ainda uma participação de 33% na Wintershell DEA, uma empresa petrolífera europeia, a cadeia de supermercados espanhola Dia, e uma rede de banda larga em desenvolvimento no Reino Unido, onde tem uma grande mansão.
Pyotr Aven, também sancionado pela UE, é, juntamente com Mikhail Fridman, fundador do Alfa-Bank. Possui várias casas na Europa, uma das quais no Reino Unido e outra em Sardenha, em Itália. De acordo com o Governo da Letónia, o bilionário pediu no início deste ano a nacionalidade letã.
Iates registados em offshores
Alisher Usmanov, outro dos nomes que constam da lista de sanções da UE, é um dos investidores mais antigos do Facebook, e detém uma parte da Metalloinvest, da Xiaomi e do Arsenal F.C. É proprietário de casas de luxo em Munique, na Suíça, no Mónaco e em Sardenha. O seu iate, Dilbar, tem mais de 156 metros de extensão, está registado nas Ilhas Caimão (consideradas um offshore pela UE), mas a sua última localização conhecida é Hamburgo, na Alemanha, a 5 de janeiro. O barão do ferro Alexey Mordashov tem, além de uma participação na gigante do ferro russa Severstal, 34% da empresa de viagens “TUI Group”. Mordashov não possui apenas um iate. O Lady M, de 71 metros, está registado nas Ilhas Caimão, e foi localizado pela última vez há dois dias, em Imperia, Itália. O Nord, o segundo iate, é mais comprido: tem 141 metros. A última localização conhecida da embarcação é La Digue, nas Seicheles.
Presidente do maior aeroporto da Rússia, o aeroporto Sheremetyevo, em Moscovo, Alexander Ponomarenko foi sancionado pela UE na segunda-feira. Outro dos oligarcas considerados estratégicos para a administração de Putin é Gennady Timchenko. Sancionado pela UE, pelos Estados Unidos da América e pelo Reino Unido, o oligarca foi um dos primeiros a ser penalizado, logo em 2014, por altura da anexação da Crimeia. Gennady Timchenko tem também cidadania finlandesa e arménia. Detentor de ações em empresas como a produtora de gás Novatek e a produtora de petroquímicos Sibur, tem ainda participações em hotéis na Europa.
Oleg Deripaska, sancionado pelos EUA, é, desde 2018, uma “pessoa de interesse” para o Tesouro norte-americano, por suspeitas de lavagem de dinheiro a favor de Putin. O seu iate, Clio, de 72,5 metros, também se encontra em parte incerta, tendo sido detetado pela última vez a 10 de fevereiro, no Sri Lanka. Tudo indica, no entanto, que a embarcação registada nas Ilhas Caimão siga na rota das Maldivas.
Um companheiro de judo e um membro da Duma
Arkady Rotenberg, Boris Rotenberg e Igor Rotenberg pertencem ao círculo mais íntimo de Vladimir Putin. Arkady Rotenberg foi mesmo em tempos companheiro de judo do Presidente russo. Os três detêm um complexo de luxo no Mar Negro, conhecido como “Putin’s Palace”. Arkady Rotenberg, sancionado em três ocasiões diferentes pela UE, pelos EUA e pelo Reino Unido, também possui um iate chamado Rahil, com quase 65 metros de comprimento. Em novembro de 2021, foi localizado em Istambul, na Turquia. Desde então, o paradeiro do iate registado na Rússia é desconhecido.
Está ainda na mira dos países do Ocidente o empresário Viktor Rashnikov, dono da Magnitogorsk Iron & Steel Works, cujo iate, Ocean Victory, de quase 140 metros, foi visto pela última vez nas Maldivas, a 1 de março.
Magnata da produção de aço e um dos dois bilionários que são membros da Duma, o Parlamento da Rússia, Andrei Skoch foi sancionado a 23 de fevereiro, quando votou, juntamente com outros 335 parlamentares, a favor do reconhecimento da independência das autoproclamadas repúblicas do Leste da Ucrânia em Donetsk e Luhansk. O seu iate, Madame Gu, de 99 metros de comprimento, já estava no Dubai a 28 de fevereiro, cinco dias depois do anúncio das sanções aplicadas ao oligarca.
Alexander Abramov, presidente da empresa ligada ao ferro Evraz, comprou em 2017, com Roman Abramovich e Alexander Frolov 24,5% da gigante russa Transcontainer. O Titan, iate de que é proprietário, mede 78 metros, e estava, a 1 de março, nas Maldivas. O parceiro de negócios, Roman Abramovich, mais conhecido junto dos portugueses por ter obtido a nacionalidade portuguesa, é dono do Eclipse, de 162 metros, detetado pela última vez em Phillipsburg, em São Martinho, a 1 de março. O bilionário que já anunciou a sua intenção de vender o clube do Chelsea tem outro iate, o Solaris, de 140 metros, localizado pela última vez em Barcelona, também há dois dias.
Galactica Super Nova, de 70 metros de extensão, pertence ao oligarca russo Vagit Alekperov, ligado à indústria petrolífera. A embarcação estava em Montenegro há dois dias. Alexander Frolov é dono do Dream, um iate com 33 metros, cujo paradeiro não é conhecido.
Fundador da Magnit, uma das cadeias de supermercados mais importantes da Rússia, Sergey Galitsky é dono do Quantum Blue, com 104 metros, avistado pela última vez no Mónaco, há dois dias.
Andrei Guriev, antigo presidente da PhosAgro, um dos quatro maiores produtores de fertilizantes à base de fosfato do mundo, e também vice-presidente da União Russa de Químicos, é outra das pessoas de interesse na mira dos países ocidentais interessados em sancionar a Rússia. O seu Alfa Nero, de 81 metros, foi localizado, a 1 de março, em São Martinho.
Detentor de 70% do mercado do tabaco, juntamente com o sócio, Igor Kesaev tem dois iates, o My Sky – cuja localização não é conhecida -, e o Sky – que atracou em São Martinho a 1 de março. Anatoly Lomakin, um oligarca russo ligado ao negócio dos fertilizantes, é dono do Sea & Us, um iate localizado pela última vez, no início deste mês, no Dubai. Igor Makarov, presidente do ARETI International Group e investidor do ciclismo internacional, é proprietário do Areti I, cuja localização era, a 1 de março, a Florida.
No círculo de Putin, algumas das pessoas mais ricas do mundo
Andrey Igorevich Melnichenko, que, com os seus negócios na área de metalurgia e das minas de carvão, se tornou a nona pessoa mais rica da Rússia e a 95.ª do mundo, atribuiu aos seus dois iates nomes enigmáticos: A e SY A. O primeiro estava no Dubai há dois dias, o segundo estava em Triestre, em Itália. Leonid Viktorovich Mikhelson, um empresário bilionário russo que é o principal acionista da empresa de gás Novatek, é dono do Pacific, que estava, a 16 de fevereiro, nas águas da Costa Rica. Desde então, não se sabe onde pára. Andrei Molchanov, empresário da área dos materiais de construção, é dono do Aurora, com 74 metros, um iate que há dois dias se encontrava em Barcelona.
Presidente da Polyus Gold, uma das maiores empresas de minérios da Rússia, Mikhail Prokhorov tem o seu Palladium em parte incerta. O proprietário e presidente da OAO TMK, uma empresa produtora de tubos de aço para a indústria de petróleo e gás Dmitry Pumpyansky fez o seu iate, Axioma, viajar até English Harbour, nas Caraíbas, onde, pelo menos, foi detetado pela última vez, há dois dias. É esse também o paradeiro da embarcação de luxo de Dmitry Rybolovlev, proprietário do AS Monaco Football Club e também do clube belga Cercle Brugge. Anna, de 110 metros, estava nas Caraíbas no primeiro dia do mês. O Hermitage, pertencente a Anatoly Sedykh, dono da United Metallurgical Company, encontrava-se nas Seicheles.
Conhecido no Ocidente, Eugene Shvidler é um empresário do petróleo, bilionário e nascido na URSS. Durante a privatização da indústria russa, a sua fortuna só aumentou. O oligarca mantém estreitas relações com Roman Abramovich. A sua Imensidão Azul [Le Grand Bleu] também tem viajado muito nos últimos dias, tendo sido localizada em São Martinho, a 1 de março.
Alexander Svetakov, fundador e presidente do Absolut Group, terá o seu Cloudbreak a caminho do Louisiana, depois de ter sido visto nas Seicheles, a 20 de fevereiro.
Estatuto de bilionário por água abaixo e o “desapego aos bens materiais”
Oleg Tinkov tornou-se um dos homens mais ricos da Rússia. Da venda de cerveja e bolos passou a vender o seu banco digital Tinkoff na Bolsa de Valores de Londres. Segundo a Forbes, as ações do banco caíram em mais de 90% desde o início da guerra, e o oligarca perdeu o estatuto de bilionário, mas ainda tem os seus dois iates, La Datcha e YCM 90. O primeiro foi localizado no México há dois dias, o segundo continua a não deixar rasto à sua passagem.
O iate de Alexander Nesis, fundador e presidente do ICT Group, que investe nos sectores das finanças, metais preciosos e engenharia, estava há dois dias nas Seicheles. O do segundo homem mais rico da Rússia e o décimo do mundo, Vladimir Potanin, foi detetado nas Maldivas. Dá pelo nome de Nirvana, que, na crença budista, designa o desapego aos bens materiais.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL