Quando alguém faz anos, recebe prendas, mas o Jardim Botânico de Lisboa decidiu mudar a tradição e no dia em que comemora 143 anos oferece à comunidade de insetos da cidade uma casa preparada para a nidificacção destes animais. O objetivo fundamental da sua criação é receber as abelhas fêmeas solitárias, mas as joaninhas e outros bichinhos com asas e antenas que por ali apareçam não serão impedidos de entrar.
No centro de Lisboa, numa das zonas mais concorridas da capital, muito próximo do Príncipe Real e do Largo do Rato, o Jardim Botânico permite aos visitantes deixar do lado de fora dos portões a confusão típica da cidade. Mas, mais importante do que esta vertente de reserva de tranquilidade, o jardim assume-se como um espaço de ciência e preservação ambiental.
Recanto do Jardim Botânico. Foto publicada na revista “Ilustração Portuguesa” em 1907
Projectado em meados do século XIX, a história do jardim começa, no entanto, muito antes. Desde o século XVII que aquele espaço era ocupado pelo plantio e cultivo de vegetais com fins medicinais e de estudo. Em 1837 foi inaugurada a Escola Politécnica que ainda dá nome à rua, vizinha do jardim, cuja construção formal teve início em 1873.
“RECEBEMOS RECENTEMENTE ALGUMAS SEMENTES DE UMA SEQUOIA GIGANTE, TRAZIDAS DA CALIFÓRNIA E QUE ESTÃO A SER ANALISADAS. EM BREVE TEREMOS UMA ESPÉCIME GIGANTE PARA ACOMPANHAR AS ‘BEBÉS’ QUE JÁ TEMOS E QUE TÊM APENAS CEM ANOS DE IDADE”
RAQUEL BARATA, BOTÂNICA
“É crucial o papel deste jardim como espaço de ciência, com uma forte missão pedagógica e do ensino da sustentabilidade ambiental e, mesmo nas visitas informais e desacompanhadas, as pessoas percebem que temos árvores de todo o mundo, que são muito diferentes entre si e que estas diferenças resultam dos locais de onde são originárias e se desenvolvem e da importância destas diferenças para a preservação da biodiversidade”, explica Raquel Barata, coordenadora do Núcleo de educação e Exposições do Jardim Botânico de Lisboa.
Jardim Botânico de Lisboa. Foto D.R. Nuno Botelho
DINOSSAUROS, SABÕES, SURPRESAS
A organização do jardim atende às necessidade de humidade das plantas, com aquelas que necessitam de menos água a estarem na parte de cima. Mas, curiosamente, é também nesta parte inicial do percurso que se encontram as plantas aquáticas, preservadas num lago bucólico. No total, o jardim ocupa quatro hectares, com mais de 150 espécies de plantas.
Um espaço relevante é o banco de sementes, que preserva ativamente o futuro de muitas espécies e que tem uma função de verificação da autenticidade das plantas ali mantidas. “Recebemos recentemente algumas sementes de uma sequoia gigante, trazidas por uma família que vivia na Califórnia e que, antes de serem plantadas, estão a ser analisadas. Em breve teremos uma espécime gigante para acompanhar as ‘bebés’ que já temos e que têm apenas cem anos de idade”, ensina a botânica Raquel Barata.
E mesmo as árvores que já morreram têm a sua integridade mantida, como comprovam o tronco e as raízes de uma enorme árvore neozeolandesa que permanece no jardim, embora tenha sido derrubada por uma tempestade há cerca de sete anos.
E, percorrendo as alamedas do jardim, vão se descobrindo várias surpresas, como a semente de uma saponária que, quando esfregada com água, gera espuma, ou que a comum “costela de Adão”, ou monstra deliciosa, gera um fruto comestível e delicioso e que, embora esteja plantada em muitos vasos na porta de casas e edifícios, na verdade é uma trepadeira. Ou ainda a importante coleção de cicadáceas, plantas que parecem palmeiras anãs, sem o ser, e que são verdadeiros fósseis vivos e tão antigas quanto os dinossauros.
Ou o espanto de descobrirmos que, no mundo vegetal, “os filhos têm de se afastar das mães”, ou seja, as árvores encontram múltiplas estratégias para que as sementes se desenvolvam longe daquelas que as geraram. Um dos exemplos é a árvore que sendo tóxica, o único elemento não prejudicial é o fruto vermelho, que, comido pelos pássaros, a semente não é diferida e acabará por ser transportada nos intestinos dos animais e irá desenvolver-se em outras áreas e, desta forma, acabará por não competir nem pela água nem pelos sais minerais do solo em que está localizada a planta que lhe deu origem.
Jardim Botânico de Lisboa. Foto D.R.
IMPERADORES E INSETOS
A árvore do imperador, que terá sido oferecida pelo monarca brasileiro D. Pedro II, é outra das descobertas. Humilde e meio escondida, é uma espécie em extinção e o Jardim Botânico de Lisboa é uma das únicas seis instituições do mundo em que esta pequena árvore está viva e a germinar. Com a maior coleção de palmeiras ao ar livre da Europa, com exceção apenas das Canárias, o Jardim Botânico abriga também três dezenas de espécies destas plantas características de climas mais quentes.
“Cerca de 90% das abelhas são solitárias e não produzem mel, mas são muito importantes para a polinização das plantas, muitas delas fazendo uma polinização específica para um único tipo de planta”
Mas esta semana, o destaque vai mesmo para a casa de madeira, toda subdividida em “quartos”, cada um recheado de pinhas, gravetos, pequenos troncos repletos de pequenos orifícios. É o hotel de insetos, preparado para receber, principalmente, as fêmeas das abelhas solitárias. “Em cada buraquinho esperamos que diferentes espécies de abelhas coloquem os seus ovos”, adverte Raquel Barata.
“Cerca de 90% das abelhas são solitárias e não produzem mel, mas são muito importantes para a polinização das plantas, muitas delas fazendo uma polinização específica para um único tipo de planta”, avança Raquel Barata. Mesmo ao lado do anfiteatro, o objetivo da criação do “hotel” é que os visitantes percebam os diferentes tipos de abelhas, assim como o papel essencial que estes animais desempenham na preservação da biodiversidade. E, esta quinta-feira, entre as 15h e as 17h, será possível visitar e participar nas atividades preparadas para a inauguração do “hotel”.
Este mês estão previstas ainda atividades como uma visita noturna ao Jardim Botânico, no dia 15 e, dois dias depois, uma visita orientada pelos próprios jardineiros que ali trabalham.
Um forte susto para quem trata do Jardim Botânico aconteceu em 1978, quando um grande incêndio destruiu as instalações da então Faculdade de Ciências de Lisboa, onde atualmente está o Museu Nacional de História Natural e da Ciência da cidade. A ação dos bombeiros, contudo, impediu que as chamas alastrassem ao jardim, que acabou por ser preservado daquela que foi considerada uma tragédia para a academia nacional, em que se perderam peças museológicas, laboratórios, livros e equipamentos do museu de História Natural e da Ciência.
A 4 de novembro de 2010 o Jardim Botânico foi classificado como Monumento Nacional e, resistente ao tempo e aos problemas, o espaço mantém-se tão agradável que muitas aves procuram ali abrigo, inclusive os patos. “Nunca cá pusemos um único pato e agora há vários que aqui vivem. Vêm de fora, de outros jardins, e vão ficando”, concluiu Raquel Barata.
– Notícia do Expresso, jornal parceiro do POSTAL