Cortada que está a Rússia do sistema financeiro internacional — ou pelo menos do Ocidente — e perante um mercado que deixou de ser líquido, os detentores de rublos encontraram nos criptoativos uma forma de movimentarem dinheiro e, acima de tudo, de se protegerem da desvalorização da moeda russa, que perdeu, de domingo a quarta-feira, 16% do seu valor face ao euro.
Perante esta desvalorização dramática, em parte estancada pelo Banco Central da Rússia ao aumentar a taxa de juro de referência dos 9,5% para os 20%, os detentores de rublos acorreram em massa a comprar bitcoins.
O volume de aquisições da criptomoeda mais popular através da divisa russa totalizou os 1,33 mil milhões de rublos no dia 24 de fevereiro — o dia do início da invasão militar —, o equivalente, ao câmbio de quarta-feira, a €11,2 milhões. A 27 de fevereiro, o domingo em que o Ocidente acertou as pesadas sanções em punição a Moscovo, o volume de negociação atingiu os 855 milhões de rublos (€7 milhões), e na segunda-feira seguinte o volume foi de mil milhões de rublos (€8,4 milhões). As subidas face aos volumes negociados no dia 23 representam, respetivamente, 267%, 136% e 177%, de acordo com dados da página especializada CryptoCompare consultados pelo Expresso.
Entretanto, o Estado ucraniano abriu uma via para financiar as operações de resistência à invasão russa. Além do Governo de Kiev, organizações como a Come Back Alive, fundada em 2014 para apoiar o Exército ucraniano, estão a angariar dinheiro cripto. No dia 2 de março, segundo dados da empresa de dados cripto Elliptic consultados pelo Expresso, tinham sido feitas 48 mil doações, que totalizaram o equivalente a 37,9 milhões de dólares (€34 milhões) desde o dia 24. O fundador da criptomoeda polkadot (e cofundador do protocolo blockchain Ethereum), Gavin Wood, deu, em cripto, 5,8 milhões de dólares (€5,2 milhões) do seu bolso. Um exemplar dos non-fungible tokens (NFT) mais populares, os ativos não-fungíveis que dão pelo nome de CryptoPunks, avaliado em 200 mil dólares (€179 mil) foi doado à causa. E na quarta-feira o leilão de um NFT da bandeira da Ucrânia promovido por um coletivo fundado, entre outros, pela banda feminista russa Pussy Riot, rendeu €5,7 milhões destinados a Kiev.
Mykhailo Fedorov, vice-primeiro-ministro ucraniano e também ministro da Transformação Digital, tem apelado, na sua conta de Twitter, a doações e a que as corretoras cripto sigam o exemplo das instituições da finança tradicional e interditem as carteiras de cidadãos russos.
Criptomoedas não alinham nas sanções e valorizam
Porém, as grandes corretoras cripto, como a Binance, não estão inclinadas para acompanhar as sanções, invocando as razões ideológicas que presidiram à criação da primeira criptomoeda, o bitcoin. Citado pelo “Financial Times”, um porta-voz da maior plataforma de compra e venda de cripto em volumes transacionados disse que “seria uma contradição total das razões da existência das cripto”, um sistema de pagamento e de reserva de valor totalmente descentralizado e distribuído e, por conseguinte, imune a decisões unilaterais de instituições e poderes políticos. Os volumes transacionados na Binance — que permite a compra e venda de mais de 500 tokens — mais do que duplicaram do dia 23 para o dia 24, dos €31 mil milhões para uma média de €68 mil milhões, tendo normalizado (com uma nova subida para os €42 mil milhões a 28 de fevereiro e 1 de março) nos dias seguintes, segundo dados da plataforma de estatísticas cripto Nomics consultados pelo Expresso.
Os ministros das Finanças e governadores dos bancos centrais dos países do G7 e da União Europeia estão atentos. De acordo com o ministro das Finanças alemão, Christian Lindner, em declarações à Welt TV na quarta-feira, estão em estudo formas de alargar as sanções ao universo cripto, limitando a capacidade dos oligarcas russos de movimentarem capital através deste sistema paralelo.
As criptomoedas mais populares beneficiaram da turbulência no Leste Europeu e conseguiram valorizar-se desde o dia 28, altura em que as sanções à Rússia entraram em vigor, com as consequentes grandes quedas nos mercados acionistas. De segunda-feira a quarta, o bitcoin valorizou-se em 15% e rondava os 44 mil dólares (€39 mil). O ether, do protocolo blockchain Ethereum, o token mais utilizado a seguir ao bitcoin, viu o valor crescer 14% no mesmo período, para os 2982 dólares (€2670). Ainda assim estão longe dos recordes de novembro de 2021, tendo o bitcoin superado os 68 mil dólares (€61 mil) e o ether atingido os 4891 dólares (€4406).
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL