Natural da Madeira, o bispo de Mananjary, que fica a cerca de 600 quilómetros da capital, Antananarivo, disse à agência Lusa que são muitas as dificuldades que atingem os malgaxes, que “parecem não conseguir sair do emaranhado do subdesenvolvimento, como se fosse uma herança”.
A situação é especialmente grave no Sul deste país insular. Um relatório divulgado na quarta-feira pela Amnistia Internacional (AI) revela que “Madagáscar está na linha da frente da crise climática. Para um milhão de pessoas, significa uma seca de proporções catastróficas, e violações dos seus direitos à vida, saúde, alimentação e água. Pode significar a morte por fome”.
Segundo o relatório “Será demasiado tarde para nos ajudarem quando já estivermos mortos”, 91% da população vive abaixo do limiar da pobreza.
O bispo Alfredo Nóbrega Caires confirma as dificuldades acrescidas pela seca, lamentando que sejam as crianças as mais afetadas, privadas do que é fundamental para um bom desenvolvimento.
O país, tradicionalmente afetado por ciclones, que costumam deixar um rasto de morte e destruição, não tem registado estes fenómenos climáticos, que têm seguido outras rotas e atingido os países vizinhos, como Moçambique.
Apesar da ausência dos efeitos nefastos dos ciclones, esta tem, contudo, consequências negativas na produção alimentar, nomeadamente na fertilidade da terra.
“Ao mesmo tempo que os ciclones destroem as casas e fazem inundações, são também um fator de fertilidade da terra e mesmo das plantas, como o café, pois estas plantas têm a necessidade de uma certa agitação ciclónica. Sem ciclones, há menos produção”, referiu.
Onde o bispo português vive, na parte tropical da ilha, a fome não é tão acentuada, pois as pessoas ainda vão encontrando “alguma coisa para comer, seja no mato, na agricultura ou cultivo do arroz”.
O Governo “tem feito o que pode” para minimizar este problema, principalmente junto das crianças, as quais agora podem contar com pelo menos um prato de arroz por dia, distribuído nas escolas, contou o religioso.
A juntar a esta panóplia de dificuldades, a pandemia de covid-19 também está presente e a vacinação não atinge sequer os cinco por cento da população.
Ainda assim, o número de casos não é muito significativo, o que o bispo atribui às várias doenças que têm afetado a população desde sempre e que, provavelmente, as prepararam para mais este desafio.
A maior preocupação em termos de saúde é a malária, que tem atingido uma parte significativa da população e causado a morte a muitas crianças, “mais uma vez as maiores vítimas”, lamentou.
Para o bispo Alfredo Nóbrega Caires, e apesar das constantes dificuldades, muito foi feito desde que chegou a Madagáscar, sendo agora comuns serviços de saúde e de ensino, coisa que não existia há quatro décadas.
A prioridade da sua diocese continua a ser precisamente o ensino e a saúde e é com indisfarçável orgulho que afirma que, hoje em dia, mesmo com muitas dificuldades, os jovens conseguem tirar o seu curso universitário, o que seria impensável na altura em que ali chegou.
“Fazemos o que se pode”, disse o religioso, que conta apenas com um padre português, com quem vai falando do país de origem. Mas sente-se “em casa” em Madagáscar, cujo povo sabe agora perfeitamente onde fica Portugal, graças ao futebol e ao Cristiano Ronaldo.
“Dantes, as pessoas pensavam que Portugal pertencia a Espanha, mas agora sabem bem onde fica o país do Ronaldo”, referiu.
O foco da diocese é precisamente os jovens, estando muito empenhada em ajudá-los a encontrarem caminhos “para uma agricultura mais racional e não tanto de sobrevivência”.
“São anos e anos para conseguirmos. É muito difícil. O que chamamos desenvolvimento cultural, para melhorar a vida das pessoas, leva anos e anos”, disse, rematando: “Temos de lutar”.
O Programa Mundial Alimentar (PAM) das Nações Unidas e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) alertaram, em maio passado, para o facto de 1,14 milhões de pessoas enfrentarem elevados níveis de insegurança alimentar aguda em Madagáscar, nomeadamente na região sul.