O engodo era o “consolo espiritual”. Dois homens de bom aspeto falsamente caracterizados como sacerdotes apresentavam-se em domicílios de Badajoz onde haviam detetado a presença de pessoas sós, geralmente idosas, e ofereciam-se para as confessar ou para lhes darem a comunhão. Em troca pediam uma quantia a título de esmola, que quase ninguém negava. A polícia extremenha, que ainda não conseguiu deter esses falsos padres, suspeita que, além disso, estes passavam informação a bandos organizados sobre as condições desses domicílios para posteriores roubos, a troco de uma parte do espólio, avança o Expresso.
Esta é somente uma amostra das numerosas fórmulas desenvolvidas nas últimas semanas em toda a Espanha por delinquentes que aproveitam o contexto de medo e de nervosismo suscitado pela pandemia do coronavírus para burlarem centenas de cidadãos que, de boa-fé, caem na armadilha das ofertas de todo o tipo através das quais eles obtêm quantias de dinheiro e acesso fácil aos dados pessoais e bancários dos enganados. As forças de segurança, a Polícia Nacional e a Guardia Civil estão a alertar a população para estas práticas fraudulentas.
Em muitos edifícios residenciais comunitários distribuíram-se cartazes de advertência. Alertam para a necessidade de não se abrir a porta de casa a ninguém que infunda a menor suspeita, mesmo que na aparência esteja perfeitamente identificado. Os delinquentes podem, por exemplo, telefonar a oferecer desinfeções antivírus das casas com produtos inócuos, um falso serviço pelo qual cobram uma tarifa. Ou apresentarem-se, como aconteceu em Oviedo (Astúrias), fingindo ser funcionários da saúde pública encarregados de efetuarem o teste da infecção, pelo qual pedem entre 100 e 150 euros. Outros fazem-se passar por voluntários de determinadas organizações humanitárias ou ONG e afirmam andar a recolher fundos para a luta contra a pandemia nos países africanos, chegando a passar um falso recibo pelo montante do donativo. Esta prática foi denunciada formalmente pela Federação Murciana de Donas de Casa, que detetou uma quantidade considerável de burlas deste tipo. Em Málaga foi efetuada uma denúncia por um delito especialmente cruel: uma família recebe o telefonema de um suposto trabalhador de saúde de um hospital local, assegurando que um parente próximo foi internado nesse centro atingido pela infecção e que precisa com urgência de determinados medicamentos que o familiar deve custear. As exigências do confinamento tornam difíceis as comprovações e o afetado, quando se apercebe da burla, já pagou as quantias exigidas.
As redes sociais e o ciberespaço são especialmente favoráveis para o desenvolvimento destas vagas de delinquência circunstancial. A polícia espanhola, pela voz do director-adjunto de operações, José Ángel González, já deu nota formal desta situação, com um dado muito significativo: nos últimos dias de março produziu-se uma avalancha para registar mais de 2.000 domínios suspeitos de estarem a ser utilizados como plataformas para a ciberdelinquência.
As ofertas para adquirir as tão procuradas máscaras, os produtos desinfetantes, os equipamentos de protecção pessoal, e mesmo medicamentos teoricamente apropriados para combater o novo coronavírus e que estão escassamente disponíveis nas farmácias, como a hidroxicloroquina, que é um medicamento específico para combater a malária pelo qual se pedem preços disparatados, servem não apenas para obter transferências monetárias imediatas mas também para que se apropriem dos dados pessoais e bancários dos burlados. Noutros casos, a burla é simplesmente a de que o medicamento solicitado é um mero placebo.
Através do Whatsapp foram difundidas nas últimas semanas várias ofertas de 100 gigabytes gratuitos para navegar na Internet, independentemente da rede que se utilize de forma habitual; o truque consiste no facto de a página nos transportar para uma ligação que serve de trampolim para a transferência de dados pessoais. É utilizado um sistema idêntico através de conhecidas plataformas de televisão paga falseadas e às quais os delinquentes roubam inclusivamente os logotipos para facilitarem subscrições gratuitas; para que a suposta oferta seja ativada é preciso preencher um formulário e indicar um cartão de crédito. Vários moradores idosos do bairro de Salamanca, em Madrid, apresentaram denúncias porque um suposto supermercado da zona, de uma marca conhecida, se oferecera para lhes levar as compras a casa a fim de que não tivessem de se deslocar ao estabelecimento – as compras nunca chegavam e a vítima tinha fornecido ao burlão os seus dados bancários. Em todos estes casos a polícia pede que se verifique sempre a segurança da ligação e se comprove a presença do protocolo de transferência de hipertexto https.
Com a avalanche de perdas de emprego que a pandemia está a causar no sistema produtivo, os ciberdelinquentes também encontraram um viveiro: fazem chegar a pessoas desempregadas mensagens eletrónicas pedindo-lhes dados de todo o tipo e remetendo-as para ligações tóxicas a pretexto da tramitação do pagamento dos apoios ao desemprego que, como é óbvio, não passam de burlas, noticia o Expresso.