Cansada, ofegante, com sede, sem rumo, quase sem visão, praticamente sem audição… assim nos chegou a Bolota pela mão de uma amiga que a colheu de um destino que seria por demais injusto por precoce…
[“Tão bonita que ela é!”]
Além dessas características, a Bolota também era muito idosa, tão idosa que cá por casa lhe passamos a chamar a senhora condessa! A somar a tais fatores múltiplos de discriminação, a Bolota tinha dirofilariose…
[“É velhinha, ninguém a vai adotar…”]
Pois bem! A paixão da amiga que a resgatou trouxe-a cá para casa onde já viviam dois adultos e um canídeo refilão!
[“Eles vivem num apartamento com dois cães e nós temos espaço para a Bolota.”]
Mal chegou, a Bolota tentou adaptar-se aos costumes e mergulhou na piscina ao fim de dois dias… esqueceu-se foi que a sua falta de visão não lhe permitia sair da piscina quando lhe aprouvesse… lá saltou o companheiro adulto vestido para salvar a sua condessa!
[“Ai que diabinha!!!”]
Tentou adaptar-se ao refilão e até chegou a ladrar… mas numa só ocasião pois uma senhora condessa só dá ares de rufia quando a necessidade assim o obriga! Como o refilão não fez questão, a majestática Bolota resolveu ignorá-lo também.
[“Chega para lá oh pequenito!”]
Lentamente, a Bolota deixou de querer adaptar-se e passou a viver connosco e a fazer parte da família! Resmungava como os outros cães, comia como os outros cães, bebia como os outros cães, só não via, não ouvia, não brincava e não ladrava, enfim, levava a vida com apenas a sabedoria da idade o permite!
[“Eu só quero ficar aqui a tomar a fresca!”]
Em poucas semanas, a Bolota ganhou o seu espaço, abraçava o dia aproveitando a luz do sol, deitava-se a dormir porque de outro modo o cansaço não lhe permitiria estar acordada quando os humanos chegassem a casa… chegou até, quando a artrose direita lhe dava folga, a elevar-se nas patas traseiras a pedinchar comida…
[“Já é de dia? Ah, hoje os humanos chegaram cedo pois o sol ainda nem se levantou!”]
Tal era a façanha que cá por casa, onde não se come carne, se cometida o sacrilégio semanal de lhe adquirir almôndegas, apenas para ela poder demonstrar que era uma cadela como as outras…
[“Olha Olha Olha, a bolotinha nas patas de trás!!!”]
E como ela ficava quando sentia o aroma dessas almôndegas (na verdade, de qualquer outra comida que não consistisse em ração seca!!!!). Punha as suas orelhas de Dumbo e levantava-se… nesses dias, ao comer parecia rosnar de felicidade!
[“Aprecio muito esta comidinha!”]
Qual não foi o espanto dos humanos cá de casa (e do pequenito refilão!) quando a Senhora Condessa passou a ir passear a sua ventura pela rua até ao parque. De tal forma ligeirinha que não se lhe dava a idade. E se porventura, os humanos tentavam regressar a casa e trazê-la consigo, logo eram por ela fintados em passos mágicos de saltinhos e jogos de anca…
[“Ai não vou para casa não!”]
Reza a lenda que burro velho não aprende truques novos mas a senhora bolota rapidamente compreendeu as regras da casa, os sítios da comida e da água e procurava-os com os passinhos que dava…
[“Eras tão esperta…”]
Sabia as horas a que os humanos chegavam e levanta-se para os receber…
[“Gostavas de nós e do refilão!”]
Pressentia quando os humanos precisavam desabafar…
[“Podem falar comigo, que eu sei guardar segredos!”]
Chegou a beijar o refilão num dia de cirurgia!
[“Ah ele não gosta de mim mas eu vou aproveitar agora para me vingar e dar-lhe uma lambidela!”].
A Bolotinha teve família e conquistou imensos amigos humanos e canídeos! Passou muitos dias com outros humanos e outros canídeos, em casa, na rua e no Hotel onde por vezes ia pernoitar!
[“Quem diria que uma cadelinha como eu ia ter estas mordomias!”].
Mas mais do que tudo, a Bolota trouxe-nos vida e tornou-se parte da nossa vida para sempre! Faz parte da família e é recordada com amor! Partiu no seu tempo, na sua hora, do seu modo calmo e despreocupado, sempre acometida pela sua bondade!
[A Bolota deixou saudade…]