A experiência está ao alcance de qualquer humano: basta fazer au-au, béu-béu ou até rosnar. É possível que o cão continue sem perceber o que quer dizer o dono, mas não é razão para diagnosticar incapacidade de comunicar em, vá lá, “caninês”. Até porque o “caninês” não existe. “Os cães, quando ladram, lançam alertas para o resto da matilha. Não estão a dizer: ‘Cuidado que vem aí um ser humano!’”, explica Francisco Fonseca, professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL).
Um humano até pode produzir estímulos com frequências similares às de um uivo e, pela mesma lógica, consegue ladrar “au-au” para levar um cão a sentar-se. Mas, nesse caso, o cão apenas reage ao estímulo que substituiu “senta-te” por “au-au” — e não, não é a prova de que o humano sabe ladrar. “O cão não percebe o que estou a dizer. Apenas é estimulado ou condicionado pelo som para fazer algo”, frisa o biólogo da FCUL.
Perante a incapacidade de ladrar com propriedade, alguns humanos apostaram na tradução, através da análise de registos sonoros em apps de telemóvel. A avaliar pelos números, não faltarão potenciais clientes: em Portugal, há 1,4 milhões de lares com cães; nos EUA, cada família paga em média 218 dólares de seguro anual para cobrir incidentes caninos. Os especialistas recordam que os problemas comportamentais são apontados como principal causa de eutanásia e abandono, mas as boas intenções não chegam para criar um sistema de tradução cientificamente válido: “As vocalizações podem querer revelar ansiedade, dor, fome… são estados emocionais que se podem interpretar, mas não basta o latido. Há que saber contexto e linguagem corporal”, explica Gonçalo Graça Pereira, professor da Universidade de Évora.
Em alguns casos, nem os cães sabem o que significa o latido alheio, simplesmente porque não passaram as 12 semanas recomendadas com a ninhada. Margarida Araújo, professora do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), admite que esses animais podem gerar “variantes individuais na forma de comunicar” que não são a referência da comunicação da espécie. “Como é que uma app conseguiria ter em conta todas essas variantes?”, sublinha.
Gonçalo Graça Pereira já se deparou com vários humanos inconformados com o facto de não saberem o que ladram os cães. Nesses casos, o especialista pede vídeos para conhecer contexto e linguagem corporal — e depreender motivações. A lógica também se aplica aos gatos. “Os gatos vocalizam especialmente no cio ou nas lutas, mas passaram também a miar nas nossas casas, porque nos conseguiram treinar e perceberam que ao vocalizar poderiam ter sucesso. São animais que aprendem com as consequências”, conclui.
– Notícia do Expresso, jornal parceiro do POSTAL