Quando se fala sobre o Algarve, o destaque vai muitas vezes para as cidades que se encontram perto das famosas praias de águas cristalinas. No entanto, existe também um Algarve que está ‘longe’ do mar e que muitas vezes é esquecido pelos turistas. É precisamente no interior da região algarvia que se continua a produzir o doce tradicional que se come durante todo o ano e que é agora Património Cultural Imaterial de Portugal.
O centro de Monchique é casa de uma pastelaria que guarda uma das receitas mais emblemáticas da região: o Bolo de Tacho. Todos os dias, pelo menos uma fornada desta especialidade sai do forno, atraindo tanto habitantes locais como visitantes curiosos. Apesar de ser muitas vezes confundido com o folar de Páscoa, este bolo assume uma identidade própria.
Cor e sabor ‘inconfundíveis’
A sua aparência acastanhada resulta de uma combinação de ingredientes, como cacau, café e açúcar. No entanto, o que verdadeiramente distingue este bolo são dois elementos essenciais. Um deles é um tipo específico de farinha, cujo segredo é cuidadosamente guardado. Depois, é apenas necessária alguma paciência.
Receita herdada e aperfeiçoada
Ana Duarte é uma das guardiãs desta tradição. Herdou a receita da mãe e, ao longo dos anos, aperfeiçoou-a através de vários testes. O resultado é um dos produtos mais procurados na sua pastelaria, especialmente em épocas festivas. “Foram precisas várias tentativas para aperfeiçoar a receita que a minha mãe me passou”, explica à SIC Notícias.
O Bolo de Tacho não é apenas um sucesso de vendas. Em 2024 foi oficialmente reconhecido pela Direção-Geral do Património Cultural. Esta distinção colocou o bolo na lista de tradições que resistem ao tempo e às mudanças de geração, sendo agora um símbolo da herança cultural algarvia.
Antes desta consagração, o Bolo de Tacho já tinha ganho alguma notoriedade. Foi candidato às 7 Maravilhas Doces de Portugal, o que contribuiu para dar visibilidade à tradição fora da região. A distinção mais recente veio consolidar o seu estatuto de referência gastronómica.
Publicação em Diário da República
A publicação em Diário da República formalizou a sua entrada no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial. O documento destaca a importância da prática enquanto “manifestação do património cultural imaterial” e salienta os “processos sociais e culturais nos quais teve origem e se desenvolveu (…) até ao presente”.
Há variantes na receita
A receita, apesar de tradicional, não é rígida. Existem variantes locais que incorporam elementos, como chá de limão, bela-luísa, ou diferentes tipos de especiarias. “A quantidade destes ingredientes faz com que o sabor e a textura do bolo variem de receita para receita”, lê-se na descrição oficial.
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Doçaria ligada ao mês de maio
A Rede de Museus do Algarve indica que, tradicionalmente, o Bolo de Tacho era confecionado em maio. Tratava-se de um elemento central dos farnéis levados para os “desmaios”, o nome atribuido aos piqueniques que se realizavam na serra de Monchique, no dia 1 desse mesmo mês.
Estes piqueniques eram momentos de convívio comunitário. As famílias deslocavam-se até aos espaços verdes da serra e partilhavam comida, histórias e música. O Bolo de Tacho estava sempre presente, funcionando como um elo de ligação entre as pessoas e a sua terra.
Cozedura tradicional
Na confeção do bolo, o tacho era fundamental. A cozedura lenta e uniforme permitia que os sabores se fundissem gradualmente, conferindo-lhe uma textura única. Apesar das tecnologias modernas, muitos padeiros locais continuam a usar tachos tradicionais em homenagem às raízes da receita.
Ao longo dos anos, esta iguaria conquistou adeptos para além das fronteiras do Algarve. Turistas e visitantes levam o Bolo de Tacho para outros pontos do país e até do mundo, perpetuando a tradição fora da serra onde nasceu.
O segredo mantém-se
A pastelaria de Ana Duarte continua a ser um ponto de paragem obrigatório em Monchique. Embora a receita tenha sofrido ligeiras adaptações ao longo do tempo, mantém-se fiel aos princípios que a originaram. Simplicidade, sabor e respeito pela tradição são alguns dos valores que Ana Duarte procura manter no seu trabalho.
Património com sabor serrano
O reconhecimento oficial marca um novo capítulo para o Bolo de Tacho. De herança familiar a símbolo do património nacional, o bolo representa hoje a perseverança de uma comunidade que se orgulha da sua identidade e da sua doçaria.
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