Já estava a ficar insustentável a situação da cerca sanitária, para os empresários turísticos de Odemira nas freguesias de São Teotónio e Longueira-Almograve, que reivindicavam há vários dias não haver “qualquer justificação” do ponto de vista sanitário, e ao fim de duas semanas sem terem atividade e a acumular prejuízos com todas as reservas canceladas para o mês de maio.
A Herdade do Touril, perto da Zambujeira do Mar, é uma das 275 unidades turísticas que estiveram diretamente afetadas pela cerca sanitária. Num espaço com 365 hectares perto da Zambujeira do Mar – mas onde só há 17 quartos – o hotel viu cair todas as reservas que tinha este mês.
“Esta cerca tem limitado tudo, porque as pessoas precisam de ir a Lagos, Aljezur ou Vila do Bispo. Eu nem podia entrar no Touril até segunda-feira, só lá podiam estar três empregados que vivem em Almograve, tenho estado a gerir as coisas à distância”, conta o proprietário, Luis Leote Falcão.
A cerca passou nos últimos dias a poder ser atravessada por motivos essenciais, e fazendo teste à covid, num processo controlado pela polícia. “Demorava-se mais de uma hora, o GNR a testar se a pessoa pode entrar ou não, os próprios GNR já estavam saturados”, descreve Luis Leote Falcão.
Na cerca sanitária montada, a GNR tem agora a responsabilidade de controlar os testes à covid. “Os próprios GNR estão exaustos com tudo isto” – Foto Nuno Veiga D.R.
“A cerca já não fazia sentido nenhum, temos 40 casos de covid no concelho inteiro de Odemira, que é duas vezes maior do que a Madeira, e há três dias que se diz que em Almograve e Longueira não há nenhum caso”, refere o proprietário da Herdade do Touril, sustentando que a situação se arrastou “não por ser uma questão de saúde pública, mas uma questão política”.
Critérios diferentes no país discriminando o caso de Odemira, quando em outros concelhos os números até são superiores, foi outro motivo de indignação na região. Perdido, ficou já o negócio de duas semanas, e para todo o mês de maio as reservas foram canceladas, sendo difícil prever se virão a ser retomadas imediatamente a seguir ao levantamento da cerca.
“Privaram-nos de trabalhar, e não vai haver ajudas para isto”, salienta o proprietário da Herdade do Touril, lembrando que o efeito da cerca se arrastou às mais de 900 unidades turísticas em todo o concelho, o que além de hotéis se estende a “centenas de restaurantes que dependem do turismo”, e que estão a acumular “prejuízos, ao fim de todos os investimentos feitos a abrir e a fechar. O custo dos ordenados ainda é o menor entre as despesas fixas que eu tive com os custos inerentes a isto tudo. Quem vai pagar esta fatura?”, questiona.
A Herdade do Touril estava com uma boa procura e previa “um maio fantástico”, mas “de repente fomos apanhados pela situação da cerca e todas as reservas do mês caíram, agora há que começar do zero”, adianta o proprietário. “Para os feriados de junho as reservas mantêm-se, porque as pessoas acreditam e continuam a querer vir aqui”.
Para o verão, as perspetivas mantêm-se favoráveis, como em todo o Alentejo, “onde há espaço e turismo não massificado”, salienta Luis Leote Falcão.
Na Herdade do Touril, com 365 hectares e apenas 17 quartos, caíram todas as reservas que havia para o mês de maio – Foto D.R.
O caso Zmar tornou mais mediática a cerca sanitária em Odemira e representou “uma desgraça, de que todos devemos ter vergonha”, considera o empresário, esperando que, “com o levantar da cerca, o problema da agricultura no parque natural e o impacto da imigração em termos de carga para a região não caia em saco roto, continuando-se a fingir que não existe”.
“Todas as televisões têm estado a comentar Odemira e estranhamente não houve ninguém a dizer que na zona também há turismo, e de qualidade – parece que só existe agricultura, escravatura e falta de habitação”, nota o dono da Herdade do Touril, que através da associação Casas Brancas tem feito donativos para providenciar alimentação aos imigrantes que ficaram privados de salário para comprar comida, “e são os que têm menos culpa em toda esta situação”.
CRAVEIRAL FARMHOUSE PERDEU 80 MIL EUROS POR ESTAR DUAS SEMANAS FECHADO. “ISSO JÁ NÃO SE RECUPERA”
Em São Teotónio, a poucos quilómetros da Zambujeira do Mar, o Craveiral Farmhouse é outra das unidades turísticas apanhadas pela cerca sanitária e que foram forçadas a fechar.
“Nestas duas semanas só tivemos cancelamentos, mas nunca parámos de trabalhar e estamos a aproveitar para fazer coisas que não conseguíamos com os clientes aqui”, refere Pedro Franca Pinto, proprietário da unidade turística onde se faz agricultura biológica para abastecer o restaurante.
O Craveiral Farmhouse em São Teotónio mantém todos os 48 trabalhadores em funções, mesmo com a cerca sanitária – Foto D.R.
“O facto de termos estado encerrados não nos impediu de trabalhar”, faz notar o proprietário do Craveiral Farmhouse, que mantém os seus 48 trabalhadores sem estarem em lay off “e todos os compromissos laborais” com os que tinham iniciado funções recentemente, além de o restaurante continuar a funcionar em take away ou para entrega de refeições em toda a freguesia.
“Estava com os fins de semana de maio todos cheios, parte das reservas foram adiadas, outras canceladas definitivamente e tivemos de devolver esse dinheiro, o que vai corresponder a uma perda de facturação de 80 mil euros, e isso já não se recupera”, constata Pedro Franca Pinto.
“Para o verão, continuam a manter-se as reservas que já tinham sido feitas, e a expectativa é a de que seja um verão bom”, avança o dono do Craveiral.
A cerca sanitária na freguesia foi o principal revés ao que se perfilava ser uma operação positiva em maio e aniquilou todos os resultados do mês. “O propósito da cerca era o de reduzir o número de casos de covid. Se há uns tempos atrás fazia sentido por haver risco, neste momento o prejuízo que estava a causar, social e economicamente, não tinha qualquer justificação”, frisa Pedro Franca Pinto.
O arrastar da situação por tempo demasiado, sem haver evidências de o surto estar disseminado entre a população do concelho, também contribuiu para “prejuízos injustificados”, com o caso Zmar a assumir um mediatismo devido à imigração e à agricultura intensiva praticada na região.
“O tema da cerca sanitária não se pode confundir com o tema dos imigrantes ou com o tema da agricultura no Alentejo, isso só tem contribuído para radicalizar posições. Tem-se discutido tudo e nada a propósito da cerca sanitária, não há bom senso, fala-se de forma muito simplista, e não se pode achar que os empreendedores da região, na agricultura ou no turismo, são todos uns malfeitores, porque não são”, sublinha o dono do Craveiral.
“O prejuízo causado pela cerca sanitária durante tanto tempo, social e economicamente, não teve qualquer justificação”
“O Alentejo precisa de agricultura e de turismo, é preciso é compatibilizar as diferentes atividades, porque atacar de um lado para o outro não vai resolver absolutamente nada”, defende Pedro Franca Pinto.
“Temos milhares de imigrantes na região, é preciso respeitar e integrar essas pessoas, e se há situações dramáticas de viverem em condições indignas, têm de ser resolvidas, não se pode é generalizar uma situação que não é a regra”, conclui.
Notícia exclusiva do nosso parceiro Expresso