A cooperativa de produtores Terras de Sal, de Castro Marim, teme que o processo de certificação biológica para o sal alimentar na União Europeia (UE) equipare o tradicional ao industrial e pediu ajuda ao Governo para travar esta solução.
O processo de certificação biológica do sal na UE tem uma “reunião decisiva” na próxima quinta-feira, altura em que vai ser debatido um relatório “que sugere as regras em que deve ser atribuído o selo biológico para o sal alimentar” nos 27 estados-membros, lê-se num comunicado da cooperativa.
Citado na nota, Luís Horta Correia, presidente da Terras de Sal, dedicada ao comércio e transformação de sal tradicional, apelou ao Governo português para que intervenha e ajude os produtores de sal marinho tradicional e flor de sal a rejeitar a proposta.
No Algarve, a produção de sal concentra-se, na sua maioria, na reserva natural do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António – a par de Olhão e Tavira -, atividade a que os romanos já ali se dedicavam, e que, nos tempos modernos, floresceu até às décadas de 1970 e 1980.
Com a falência da pesca e da indústria conserveira, na década de 1980, a produção de sal quase desapareceu, mas foi reativada já no início do século XXI: das duas salinas que resistiam em 2000 somam-se mais 15, havendo agora 17 em funcionamento, de um total de 70 salinas instaladas no concelho de Castro Marim.
Segundo a cooperativa, o relatório “ignora” o parecer de três de quatro técnicos consultados pela UE para o efeito e privilegia o posicionamento de um deles, propondo que “todos os tipos de sal, mesmo os processados industrialmente e os não amigos do ambiente, sejam contemplados com o rótulo” de certificação biológica, “ignorando as recomendações seus próprios especialista”.
“Os produtores de sal artesanal tradicional estão contra esta nova regulamentação, considerando uma séria falha na proteção dos consumidores e uma ameaça à sobrevivência da salicultura tradicional, e pedem uma posição urgente do Governo português para alteração desta proposta de regulamentação”, posicionou-se a Terras de Sal.
De acordo com a cooperativa, se nada for feito e o relatório for aprovado, o setor estará, segundo os especialistas que não se reveem nesta solução, a ceder “clara e perigosamente aos interesses económicos” do sal industrial, prossegue a nota.
O presidente da cooperativa algarvia, Luís Horta Correia, lamentou que o Governo português se tenha abstido de contestar esta proposta de certificação, “não defendendo os produtores portugueses de sal artesanal tradicional”, à semelhança do que foi feito por representantes de Espanha ou França.
“Três dos peritos (uma espanhola, um francês e uma austríaca) foram perentórios em afirmar que o sal extraído de mina e o produzido industrialmente em vácuo não têm condições, face aos seus métodos de produção, para receberem o selo de produto biológico, mas o quarto especialista, alemão, sugeriu, precisamente, o contrário”, criticou a Terras de Sal.
A mesma fonte observou que o relatório foi “apresentado em julho de 2021” e “apenas se teve em conta a posição do especialista alemão”, tendo sido “já discutido com representantes dos estados-membros durante uma reunião do Comité de Produção Orgânica (COP)”.
“Nesta reunião Portugal simplesmente não se pronunciou, mostrando-se alheado da problemática, ao contrário de França que vincou uma posição mais dura e realista, alertando que vários métodos propostos pelo relatório não estão em conformidade com as regras do sal orgânico, e da Espanha e Alemanha, que solicitaram nova reunião para debate”, acrescentou.
A cooperativa algarvia apela, assim, ao executivo português para que ajude também a travar esta solução até à reunião de 28 de outubro, dia em que a “Comissão Europeia concordou em discutir o sal biológico com mais profundidade”.
“A entrada de qualquer tipo de sal neste mercado levaria a uma enorme redução da qualidade deste sal e à entrada de enormes volumes de sal produzido industrialmente a baixo preço, levando à impossibilidade de sustentar o emprego necessário à produção de sal artesanal e ao provável abandono da atividade por muitos produtores”, advertiu Luís Horta Correia.