… Jornal do Pau
No início dos anos 80 do século passado, os gorjonenses, alguns regressados da emigração, quando se viram privados dos velhos poiais de rua, onde os pais e depois eles próprios costumavam juntar-se para cavaquear à vontade, sentiram necessidade de voltar a ter um espaço próprio para estarem juntos e “dar à língua”. Foram buscar um pau de poste da linha telefónica abandonado numa berma da estrada, e duas pedras iguais para ser suporte. Na esquina de cruzamento local e centralidade dos Gorjões, surgiu um banco de pau improvisado mas perfeito para a função de seu destino. Os gorjonenses, voltaram a juntar-se para trocar histórias antigas locais e novas histórias da emigração, matando saudades com alegria e felicidade. Deram em chamar ao dito banco o “Jornal do Pau”.
Agora, no mesmo lugar surgiu um monumento escultórico do artista Adão Contreiras, representando a história desses homens numa homenagem e perpetuação de sua memória no próprio “palco”, onde foi representada. Será uma singela homenagem para a humanidade mas grande para o pequeno povoado. E para que a discussão continue, uns dizem que ali está apenas lata e outros, como o autor, que ali está uma jóia dos Gorjões. (adaptação do texto de Adolfo Contreiras, do seu blogue APC Gorjeios.
Para o efeito Adão Contreiras, escreveu o poema:
Jornal do Pau (Coisa triste é partir)
Todo o mundo tem fim
Todo o mundo começa
Juntos no pau sem clarim
Oferta-se a notícia à peça
Já muitos daqui partiram
Saudades que disso deixam
Das vozes que aqui se ouviram
Lembram as estátuas, que se queixam
Todo o mundo que começa
Todo mundo tem seu fim
Juntos aqui no pau à conversa
Foram claros dias de festim
Já muitos daqui partiram
Saudades vindas no vento
Das vozes que aqui se ouviram
Resta o pau e o seu lamento
Todo o mundo tem fim
Todo o mundo começa
Juntos no pau sem clarim
Oferta-se a notícia à peça
… Sophia M.B.A / Francisco S.T.
francisco, no dia da revolução
andava em lisboa de megafone na mão.
quantas palavras importantes
centradas na liberdade terá dito?
mas a liberdade é sempre efémera,
e palavras ditas mesmo alto e bom som
para muita gente, leva-as sempre o vento.
já todos ouvimos alguém gritar esta verdade!
sophia, no mesmíssimo dia,
na primavera já inteira e limpa de lagos
e apenas munida de lápis, escreveu-as,
palavras livres eternizadas na substância do tempo
da voz do mar irrompia o marulho da esperança
enquanto esperava em silêncio a madrugada azul
junto à janela da liberdade, o início…
já todos lemos o nome das coisas?
[Pedro Jubilot in Revista Eufeme nº2 – 2017]
… Marco Mackaaij
Vive em Portugal há quase tantos anos quantos viveu na Holanda. Escritos originalmente em português, os poemas do seu novo livro ‘Em Segunda Língua’, apresentam um balanço poético entre dois países e duas culturas, numa mesma vida. O autor editou o seu livro de estreia ‘E Se Não For’ em 2015, e a plaqueta ‘Perdidos e Achados’, no final do ano passado. Entretanto alguns poemas seus foram publicados nas revistas Eufeme, Enfermaria 6 e Nervo.
O lançamento deste segundo livro, também na editora CanalSonora está previsto para o final de Maio. Terá a sua apresentação por Luís Ene, no ARCM Bar (rua do castelo,4) na Associação Recreativa e Cultural de Músicos, no sábado 9 de Junho pelas 18 horas.
POEMA BILINGUE
Que ao longo dos anos a loucura
apertasse o cerco, isso eu já sabia.
Meu pai, desertado pelas palavras,
morreu rodeado de seus dicionários.
Encomendaram-me hoje o derradeiro
desvario: um poema bilingue.
Bem sei, um bom tradutor é traidor,
mas do poeta ou de si próprio?
«Eis uma questão filosófica
para pessoas com tempo para
heterónimos internacionais», cogitei
antes de afinar o original.
… Maluda
Influenciada pelo construtivismo e pela pop art, aquando da sua passagem de quatro anos por Paris, Maluda (Goa,1934 – Lisboa,1999) usa a linearidade nas paisagens urbanas recorrendo ao hiper-realismo e ao foto-realismo. Começa a ser mais conhecida na década de 70, pelas paisagens tradicionais do país. Tanto os famosos quiosques como as janelas portuguesas, exploram os reflexos e os efeitos de luz. Mas essa intensidade da luz ficou ainda mais vincada na arquitectura cubista que Olhão reflectia ainda, quando Maluda a pintou na série «Olhão», que ficou como uma das suas marcas.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de Maio)