Estávamos sempre a pensar no depois, como faremos, onde iremos… Agora é tempo de pensar no agora!
Precisávamos de tempo e talvez, inconscientemente, desejássemos que tudo parasse três meses para nos reorganizarmos, porque o primeiro trimestre do ano estava a passar muito depressa e o tempo não dava para tudo.
Agora que isto é real, e sem nos sentirmos culpados por tal pensamento, poderemos sentir que este é um tempo de reencontro connosco, um tempo para parar, para reflectir, para criar novos hábitos e valorizar o que já tínhamos e nem nos apercebíamos.
Por estes dias, chegou a Primavera, a mudança da hora e quase nem demos por isso, talvez porque agora estamos centrados numa outra mudança: a mudança interior, a mudança de alguns hábitos e a reinvenção de novas formas de trabalhar e de nos relacionarmos.
O jornalista português Paulo Dentinho escreveu uma inquietante frase sobre nós: “A nossa felicidade não pode ser indissociável da manutenção do equilíbrio da natureza, porque para o planeta nós é que estávamos a ser o vírus.”
A nossa forma de consumir, de nos deslocarmos, de planearmos sem sustentabilidade não nos deixava ouvir “o grito da Terra”.
É certo que é um drama, mas se não olharmos a situação como tal e pensarmos na terapia do recomeço, talvez possamos compreender que o planeta Terra precisava de abrandar, e nós também!
Espero que esta paragem forçada, que contém muito sofrimento, sirva para mudar algo no nosso modo de vida e para melhor. Como hoje se ouve e se lê em imensos textos: “A vida não voltará a ser a mesma depois disto!”.
Que este tempo em que temos mais tempo, e que curiosamente coincide com a Quaresma, por si só um tempo de recolhimento e renascimento, seja isso mesmo, um renascer interior.
Marcou-me esta frase do Papa Francisco proferida no passado dia 27 de Março, aquando da bênção Urbi et Orbi: “O nosso deserto florescerá!”
Uma frase plena de esperança, porque este deserto não pode ser em vão!
Uma frase que por sua vez remete para o recolhimento de Jesus Cristo, que durante 40 dias jejuou no deserto, antes de iniciar o seu ministério.
Quarent(en)a
Existe todo um simbolismo associado ao número 40. Na Bíblia encontramos muitos exemplos: O dilúvio durou 40 dias e 40 noites; a fuga de Moisés deu-se aos 40 anos e 40 anos mais tarde foi conduzido a libertar o seu povo da escravidão egípcia e a referência aoProfeta Elias que esteve 40 dias no Montanha.
Tanto a palavra Quarentena como a palavra Quaresma têm na sua origem a referência ao número 40. Na numerologia o 40 representa transformação, mudança, desafios e decisões. Os antigos tinham a crença de que não era bom sair com os bebés de casa antes de completarem 40 dias de vida.
A ideia de que “a vida começa aos 40”está de certa forma ligada à mudança, como aconteceu a Moisés, a Maomé e ao próprio Buda que receberam o chamamento aos 40 anos.
Estava a escrever este artigo quando, na RTP, comecei a ouvir uma entrevista àquele que foi o mais jovem Presidente da República Portuguesa.Ramalho Eanes foi eleito aos 41 anos e foi reeleito em 1980, ou seja, há 40 anos. Parei e fiquei a ouvir as palavras que o General, de 85 anos, transmitiu com imensa lucidez e verdade e que merecem ser relembradas:
“O homem, com os avanços da Ciência e da Tecnologia, julgou que era capaz de tudo, que podia dominar tudo. Esta situação pandémica mostrou que o homem continua a ser frágil, falível. Tem que estar permanentemente em ligação, em comunhão com os outros, não só para fazer o trabalho, mas para se proteger e ter futuro”.
E acrescentou: “Esta crise é um momento de silêncio, de reflexão, de comunhão. Se não for assim, estaremos a perder uma oportunidade única”. O General Eanes surpreendeu-me ainda mais com estas palavras: “A espiritualidade não está no local de culto. A espiritualidade está em cada um de nós e na relação de nós com os outros. Todos nós ouvimos, todos nós lemos que ‘Cristo é amor puro’.”
Que melhores palavras poderia eu encontrar para vos desejar Boa Páscoa? Uma Páscoa que nunca esqueceremos e que nos tornará mais fortes e com mais fé, porque juntos venceremos esta batalha!
Por fim, gostaria de referir a Encíclica do Papa Francisco intitulada Laudato Si, que é um verdadeiro tratado sobre o cuidado da Casa Comume sobre a “conversão ecológica”. Esta conversão passa pelo respeito para com a Mãe Terra, que precisa de equilíbrio para nos continuar a acolher como espécie consciente da fragilidade.
Uma espécie que tem de ser cooperante e ter comportamentos coerentes com uma ecologia integral, porque todos somos um Todo e “ninguém se salva sozinho!”
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de abril)