Desde há muito tempo que a arte tem servido como instrumento de crítica e para serem tomadas posições políticas em relação a diversos assuntos, nomeadamente questões sociais.
Aliás, os artistas envolvem-se frequentemente em movimentos sociais, expressando a grande relação das artes com o ativismo político e social.
Em particular, ao longo do século XX, muitos artistas participaram em movimentos revolucionários e libertários, usando a expressão da sua produção nas artes como meio de comunicação de ideologias nos espectadores ou no público. Os anos 60 foram ricos em manifestações artísticas inseridas em movimentos sociais, muitas vezes de caráter pacífico, que procuravam questionar os modelos políticos vigentes, nomeadamente os extremos predominantes, com uma direita capitalista, que incentivava o individualismo e o imediatismo consumista, e uma esquerda comunista, que instaurava o autoritarismo e a inibição da diversidade.
Manifestações de arte visual e musical, com performances e happenings, ocorriam muitas vezes de forma aparentemente espontânea, “invadindo” a rotina do espaço público, questionando e funcionando muitas vezes quase como contracultura, aparentemente anárquica.
O Fluxus foi um movimento que se destacou nos EUA, na Europa e no Japão, a partir dos anos 50, com objetivos claros de ativismo político nas suas expressões artísticas. O uso do próprio corpo, enquanto instrumento a favor da liberdade sexual e da igualdade de género era usado por artistas como Yoko Ono.
Mas é sobretudo nos anos 90, com o desenvolvimento da arte urbana, que a expressão visual como meio de protesto económico e sociopolítico parece ter um maior incremento.
Já em artigos anteriores fizemos referência a vários artistas atuais que procuram ter impacto sociopolítico com os trabalhos que produzem.
De entre os artistas portugueses, destacámos os trabalhos de Bordalo II, no artigo “Pode a arte emergir a partir do “lixo?”, e de Vhils, no artigo “Pode a arte emergir da natureza?”.
No caso de Bordalo II, que utiliza “lixo” nas suas obras, chegando a afirmar que “o lixo de um homem é o tesouro de outro”, procura chamar a atenção para as questões da pobreza, havendo muitos que passam fome enquanto outros desperdiçam comida, bem como para as questões da preservação do ambiente, através da reciclagem e da reutilização dos materiais.
Por seu turno, Vhils é conhecido internacionalmente por esculpir rostos em paredes, estando a preocupação com questões sociais presente nos seus trabalhos. Por exemplo, homenageou os moradores de um bairro que estava em processo de despejo, esculpindo-os nas ruínas, para lembrar que, segundo as suas próprias palavras, “quando se destroem as paredes sem dar alternativa, é a vida da pessoa que se destrói também”.
Não obstante o impacto visual de muitas obras realizadas no âmbito da arte urbana, o problema é que são também muitas aquelas cuja duração é muito limitada no tempo. Tendo em conta que a arte acompanha o desenvolvimento da sociedade, sendo uma expressão desta, tanto que se considera que as obras artísticas devem procurar ser compreendidas no contexto histórico-social em que são produzidas, numa época em que predomina uma atitude consumista e imediatista, em que quase tudo parece ser feito para consumir e descartar, surgem também formas de arte visual que se enquadram neste paradigma.
No entanto, a arte urbana não tem que ser descartável, podendo ser até fator de desenvolvimento e inclusão social. Por exemplo, fizemos já referência num artigo anterior que as obras produzidas na Quinta do Mocho conseguiram aumentar o otimismo dos habitantes, mostrando que a arte também pode contribuir para aumentar o bem-estar dos residentes.
Os trabalhos de Banksy, em graffitis que podemos encontrar em ruas, pontes e muros de diversas cidades do mundo, são também um exemplo do impacto que podem ter as mensagens visuais de crítica política e social. No geral, as imagens que cria representam uma crítica aos conceitos de capitalismo, autoridade e poder.
Há alguns meses atrás, Banksy abriu o Hotel Walled-Off, considerado aquele com “pior vista do mundo”, pois situa-se em frente ao muro de Israel na Cisjordânia, que constitui uma das materializações mais emblemáticas do conflito entre israelenses e palestinos. E este muro é a vista que os nove quartos deste hotel possuem. Além disso, a decoração dos quartos alerta para este conflito, havendo, por exemplo, por cima de uma das camas, um graffiti de uma guerra de travesseiros entre um soldado israelense e um manifestante palestino.
Ainda muito recentemente (já este mês) gerou alguma polémica na Bolívia, tendo sido notícia nos media internacionais, uma pintura da artista Rilda Paco que mostra a Virgem de Socavón em lingerie. Segundo a artista, ela e a família têm recebido ameaças de populares por isso, para além de se estar a tentar iniciar um julgamento criminal contra a artista, devido a protestos de grupos religiosos. Inclusivamente, o arcebispo de Sucre, Monsenhor Jesus Juárez, disse que “a liberdade de expressão não é para ferir os sentimentos das pessoas. A Santíssima Virgem, para nós, é quem nos deu o Salvador e, por isso, devemos honrá-la, defendê-la e protestar contra esses atos que prejudicam a fé de milhões de crentes”.
Este acontecimento revela que, mesmo nem sempre sendo compreendida, a arte visual tem impacto sociopolítico.
Assim, a imagem visual pode sintetizar questões psicossociais complexas e atuais e pode ajudar a promover a necessária reflexão sobre as mesmas.
A arte visual é uma forma de comunicação, permitindo sintetizar em imagens, as emoções e os sentimentos sociais já existentes em relação a certas questões polémicas.
No entanto, a atual saturação de imagens visuais na sociedade e a rapidez do funcionamento dos media, implicam que o processo criativo tenha que ser cada vez mais inovador de forma a que a arte visual tenha impacto sociopolítico.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de Março)