Sempre gostei de postais ilustrados. Herdei alguns da minha avó e fui fazendo a minha própria coleção, que organizei por temas. Um deles, como seria de esperar, é a Antiguidade. Aproveito sempre as visitas às lojinhas de museus, convenientemente colocadas no nosso caminho, para comprar (entre outras coisas a que não resisto, mas que aqui não confesso) postais de obras ali expostas. Também nos sítios arqueológicos há belíssimos postais, com excelentes fotografias, que, depois de digitalizados, posso usar no meu trabalho.
Foi a arrumar um arquivador que me deparei com um postal de Éfeso, cidade da antiga Grécia, que atualmente pertence à Turquia. Quando o comprei, encontrava-me na ilha de Samos, a poucas milhas daquela cidade, e, com um pequeno grupo, decidi apanhar um barco e passar o dia no país vizinho, a visitar as ruínas gregas ali existentes. Que tinha, então, este postal de diferente dos outros, para me chamar a atenção? Era a fotografia de uma laje de um caminho, onde se podia ver uma série de símbolos curiosos gravados na pedra: um pé esquerdo, uma cabeça de mulher, um coração, uma moeda.
Ora um pouco mais adiante, no cruzamento da rua Mármore (onde está a laje) com a rua Curetes, duas das mais importantes vias da cidade, havia um bordel. Diz quem sabe mais destas coisas (e, apesar de não ser a única interpretação, não deverá estar longe da verdade), que era um sinal de publicidade a esse lugar: do lado esquerdo (pé), há uma casa onde, por dinheiro (moeda), pode comprar amor (coração) de mulheres (cabeça feminina). (Fig. 1)
Os postais publicitários
Anunciar o que se quer vender foi sempre uma necessidade dos comerciantes, para que o consumidor saiba encontrar o que procura. Ainda hoje se pode ver em Pompeios (vulgo Pompeia), cidade que ficou subterrada no ano 79 da nossa era, após a erupção do vulcão Vesúvio e consequentes tremores de terra, as diversas formas de publicidade, quer em forma de grafitos, quer em baixos-relevos ou, mesmo, pinturas. (Fig. 2)
No fim dos anos 90 do séc. XX, chegou a Portugal uma forma diferente de publicitar, que muito me agrada: os postais gratuitos. Parecem postais ilustrados na forma e, até, pelo espaço para escrever no verso, mas, além de serem gratuitos, não são prioritariamente dirigidos a turistas, mas servem para anunciar produtos, serviços, ou sensibilizar para causas cívicas e culturais.
Estes postais têm um grande potencial para colecionadores (como eu) e, hoje em dia, a própria empresa Postalfree explora essa vertente do colecionismo, proporcionando a troca de postais, numerando-os, etc. Faço parte daquele grupo que se aproxima dos expositores para ver se chegaram postais diferentes, desde a última vez que ali esteve. Encontram-se em cafés de museus, em bares, na entrada se salas de concertos, em associações. Por exemplo, a Casa Álvaro de Campos, em Tavira, faz postais para publicitar os eventos, distribuindo nas atividades que decorrem nos dias que os antecedem, para as pessoas levarem para casa. Também o Cineclube de Faro envia aos sócios, pelo correio, para cada filme do seu programa. A maior parte da minha coleção é, precisamente, de postais de cinema, muitos deles reproduzindo os cartazes dos respetivos filmes.
Como já quase ninguém escreve a ninguém por correio normal (é quase sempre tudo eletrónico), começaram a aproveitar a parte de trás dos postais, aquela que tinha lugar para o selo, destinatário e algumas palavras, para imprimir mais sobre o que divulgavam.
A ideia dos postais é serem mais impactantes e levarem as pessoas a não ficarem indiferentes à mensagem veiculada.
Deixo dois exemplos de postais que enriquecem a minha coleção pela sua força e expressividade: num, pela causa da abolição das touradas, vemos a cabeça ensanguentada de um touro, ainda vivo, com a legenda «Não podemos deixar que matem uma tradição», numa evidente (e triste) ironia: para que as tradições não morram, matam-se animais inocentes, para deleite de quem gosta de os ver a serem provocados, espetados, a escorrer sangue e, por fim, mortos. (Fig.3)
No outro (Fig.4), reconhecemos Salazar e o bigode de Hitler que aquela mão está a começar a desenhar. Mesmo que não tivesse a legenda «O Estado Novo e o III Reich», percebia-se imediatamente a aproximação pretendida entre as duas personagens históricas. Se um estrangeiro vir este postal, pode não saber quem foi Salazar, mas como Hitler tem uma dimensão mundial, reconhece os sinais que têm a intenção de comparar os dois homens.
Às vezes, questiono-me como lerão os nossos vindouros estes postais.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de Junho)