O dia 10 de Junho é apontado como o dia em que o poeta Luís Vaz de Camões morreu, no ano de 1580. Durante o Estado Novo este dia designava-se como Dia de Camões, de Portugal e da Raça. A partir das Comemorações do ano de 1978 passou a designar-se como Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.
Uma das frases diversas vezes repetida nos discursos deste Dia é: “A minha Pátria é a língua Portuguesa”. De facto, é a língua que permite a criação de Cultura e a pertença a uma comunidade. Sem a língua não haveria partilha, nem Cultura. Fernando Pessoa, autor da frase citada foi um importante divulgador da língua portuguesa pela dimensão universal que a sua obra literária alcançou.
Outra frase emblemática que se refere à língua portuguesa, embora menos utilizada, é: “Da minha língua vê-se o mar”, esta da autoria de Vergílio Ferreira.
A Pátria-Poesia corre nas veias… e na manhã deste Dia de Portugal, acordei com esta frase a construir-se no meu pensamento: Do meu sentir vê-se a Pátria que me habita.
“A minha Pátria é a língua Portuguesa” é a frase, provavelmente, mais conhecida de Fernando Pessoa, afirmada no Livro do Desassossego, do heterónimo Bernardo Soares. Creio que com esta frase o poeta reforça bem a noção de patriotismo. Ao mesmo tempo a frase tem uma carga cultural e cívica, porque nos dá a ideia do estreitar de laços afectivos e institucionais entre povos de língua portuguesa, é como se Fernando Pessoa tivesse uma visão lusófona. Numa consulta ao Arquivo Pessoa onde se podem pesquisar palavras associadas à obra de Fernando Pessoa, as palavras “lusófono ou lusofonia” não aparecem. O poeta pode nunca ter usado estes termos, mas o seu pensamento tinha uma dimensão universal e porque não lusófona.
A palavra que mais aparece através do motor de busca do arquivo associado a Fernando Pessoa é a palavra “Deus” e “espiritual” e pode ser consultado em www.arquivopessoa.net De facto, Fernando Pessoa deu uma significativa relevância à vida espiritual, ou não andasse numa procura permanente de um Todo que o preenchesse. Fernando Pessoa ortónimo escreveu que “todas as religiões são verdadeiras, por mais opostas que pareçam entre si. São símbolos diferentes da mesma realidade, são como a mesma frase em várias línguas”.
O autor da frase também parece que é assim, fragmentado por múltiplas perspectivas do seu eu.
Sem dúvida que a dimensão religiosa é uma presença fundamental no pensamento e na obra de Fernando Pessoa, senão mesmo uma das suas temáticas preferidas. Ao mesmo tempo, é preciso sublinhar como a religiosidade pessoana, acompanhada de um evidente pessimismo existencial, é bastante contrastante e também bastante “desassossegada”.
Todos os autores que escrevem sobre Fernando Pessoa, daqueles que li, e seria impossível conseguir ler tudo o que se escreve sobre este poeta, referem em relação à sua pessoa as seguintes palavras: “inquietação” e “fome de totalidade”.
Fernando Pessoa / Álvaro de Campos
É difícil ficar indiferente a Fernando Pessoa e ao seu sentir, até porque ele queria “sentir tudo de todas as maneiras”, como nos diz através do seu heterónimo Álvaro de Campos.
Fernando Pessoa criou este heterónimo dando-lhe a profissão de engenheiro naval e a naturalidade tavirense, certamente pela ligação que o próprio Fernando Pessoa tinha, pela via paterna, ao Algarve, concretamente a Tavira.
Nesta cidade existe uma Associação designada “Casa Álvaro de Campos” e que tem tido, nos seus 30 anos de existência, uma actividade cultural a considerar, nomeadamente um leque de actividades ligadas à temática pessoana. A mais recente das quais decorreu já neste mês de Junho com um especialista pessoano a falar do legado do poeta, de Álvaro de Campos, de Tavira e da ligação do património ao diálogo cultural.
Álvaro de Campos é considerado o heterónimo mais vivo e alegre, o heterónimo que revelava o que Fernando Pessoa gostaria de fazer e de ser, como se pode ler numa citação (pág. 13) do livro de comunicações apresentadas no I Encontro Internacional Álvaro de Campos realizado em 2010, em Tavira: “Pus em Álvaro de Campos a emoção que não dou a mim nem à vida”.
Neste mês é de salientar também uma outra data: o dia 13 de Junho em que se comemoram os 130 anos do nascimento de Fernando Pessoa em Lisboa. Por ser dia de Santo António de Lisboa, ficou com dois nomes próprios: Fernando António.
Numa longa dedicatória a Santo António inicia o poema com estes três versos:
“Nasci exactamente no teu dia –
Treze de Junho, quente de alegria,
Citadino, bucólico e humano”
O plural de Portugal é ser mais!
Destaco a frase que mais gostei no discurso do Presidente da República neste Dia 10 de Junho de 2018: “o universalismo fraternal que é o nosso destino”, porque Portugal é um só. Uma expressão que nos remete para o pensamento de Agostinho da Silva e de Fernando Pessoa que na sua obra tem presente a noção espiritual de Pátria.
No entanto considero discutível o uso, neste mesmo discurso, da palavra “Portugais”, para além de essa palavra não existir, o plural de Portugal é mais do que “Portugais”! Pluralizar a palavra Portugal é susceptível de criar interpretações que interferem com a sua singularidade.
Um conceito que tem uma força imensa é “Portugalidade” enquanto sentimento de afinidade ou de amor por Portugal e de traços comuns considerados distintivos da cultura e história de Portugal.
O etnólogo Jorge Dias (1907-1973) defendeu que a cultura portuguesa é marcada pelo “profundo sentimento humano, que assenta no temperamento afectivo, amoroso e bondoso. Para o Português o coração é a medida de todas as coisas”. O etnólogo refere que a expressão “saudade”, que é tida como a característica idiossincrática da sensibilidade portuguesa, o fez traçar um perfil luso mais ligado à emoção do que à razão.
E porque esta sensibilidade está à flor da pele e “Portugal anda emocionalmente exausto” é preciso repensar Portugal, mas a fundo… como diz Eduardo Lourenço.
Falta um desígnio e uma comunhão de princípios, valores e objectivos que façam de Portugal uma verdadeira comunidade, a tal noção espiritual de Pátria que Fernando Pessoa referia, e que poderá devolver a esperança numa fraternidade comum… em que a necessidade desesperada de competir com o outro, se transforme na necessidade consciente de cooperar com o outro…porque… É a Hora!…
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de Junho)