Há cerca de seis meses, no dia 15 de novembro de 2017, a pintura “Salvator Mundi”, de Leonardo da Vinci, foi vendida pela Christie’s, em Nova York, por 450,3 milhões de dólares (cerca de 364,7 milhões de euros), estabelecendo uma nova marca para a pintura mais cara já alguma vez vendida.
Desta forma, foi ultrapassado por mais do dobro o valor da obra “Les femmes d’Alger” (1995), de Pablo Picasso, que havia sido vendida em 2015 por 179,3 milhões de dólares. Em 2015, também havia sido vendida a pintura “Nu couché” (1917), de Amadeo Modigliani, por 170,4 milhões de dólares, a terceira obra mais cara de sempre, levando a que se considerasse este ano como um ponto de viragem na história de arte, pelo valor atingido nas transações de obras de arte.
Antes de ter chegado ao leilão da Christie’s, a obra “Salvator Mundi” teve um percurso que importa conhecer. Terá sido pintada por volta de 1500 para Luís XII de França, tendo depois sido detido por Carlos I de Inglaterra, em 1649, até ter sido leiloado pelo filho do Duque de Buckingham e Normandia em 1963. Em 1900, a obra foi comprada por Francis Cook, colecionador britânico, tendo os seus descendentes vendido a mesma num leilão em 1958, por 45 libras esterlinas, o que equivaleria a pouco mais de 50 euros nos câmbios atuais. Em 2013, após algum restauro, foi vendida ao colecionador russo Dmitry Rybolovlev por 127,5 milhões de dólares (cerca de 103,3 milhões de euros), tendo mais que triplicado o seu valor no período de quatro anos. Alguns especialistas têm vindo a levantar dúvidas sobre se esta pintura terá sido da autoria de Leonardo, mas seguramente quem a comprou acredita que foi, o que revela a importância das crenças pessoais e emoções, para além da informação e do conhecimento objetivo, na coleção e no valor monetário das obras de arte.
Assim, não há arte certa ou errada e não há maneira certa ou errada de comprar ou colecionar arte. Qualquer um pode colecionar tudo o que quiser, pela quantia que estiver disposto a gastar, desde que a tenha.
Em todo o caso, comprar arte é diferente de colecionar arte. Comprar arte é uma atividade mais aleatória, baseada no gosto e preferências pessoais, e com um propósito específico, habitualmente decorativo. Colecionar arte representa um compromisso mais a longo prazo, com um propósito mais estratégico em mente.
A maioria dos compradores vai adquirindo peça a peça, tendo em conta o gosto que nutre por cada obra específica. Encontra peças de que gosta e vai comprando as obras aleatoriamente.
No entanto, se o objetivo for construir uma boa coleção, deve ser estipulado um plano coerente de aquisição a longo prazo, permitindo que as obras adquiridas aumentem o seu valor ao longo do tempo.
Pode afirmar-se que os grandes colecionadores são tão conhecidos e respeitados como os autores das obras que possuem. O que torna um colecionador num caso de sucesso é a sua capacidade para selecionar obras de forma coerente. Em qualquer boa coleção, o todo é mais do que a mera soma das partes, isto é, a coleção tem mais valor do que a soma das peças que a constituem.
Em todo o caso, é importante ter em conta o gosto pessoal, pois este fator torna a coleção única, conferindo-lhe identidade e um valor distinto. Quando se ignoram as preferências pessoais em prol dos interesses mercantis, a coleção não se distingue das demais, perdendo o valor do todo, da coerência ou identidade.
O que faz de um colecionador memorável é o seu pensamento estratégico, a sua capacidade em manter-se focado na composição geral da coleção, não perdendo o fio condutor da mesma.
Recentemente estreou nos cinemas o filme “All the money in the world” (“Todo o dinheiro do mundo”), de Ridley Scott. Este filme baseia-se em factos verídicos sobre o rapto, ocorrido em 1973, de John Paul Getty III, um dos netos do magnata do petróleo Jean Paul Getty. Este foi considerado o homem mais rico do mundo pelo Guinness, em 1966, mas recusou-se a pagar o resgate do seu neto.
Com o dinheiro de sua companhia petrolífera, Getty investia na compra de artefactos importantes, especialmente da Grécia e de Roma, chegando a afirmar que acreditava ser a reencarnação do imperador romano Hadrianus. Terá ainda confessado que as obras de arte são sempre belas, não contrariando ou desiludindo, ao contrário das pessoas.
A história de Jean Paul Getty como colecionador terá começado nos anos 30, numa época em que o caos se instalou na Europa e os preços terão baixado. A sua primeira aquisição conhecida foi a pintura “Marten Looten”, de Rembrandt, em 1938, por 65 mil dólares (cerca de 52,6 mil euros), avaliada em mais de um milhão de dólares na atualidade. No total reuniu cerca de 50 mil obras, as quais constituíram o acervo do Museu Getty, ou “Getty Center”, em Los Angeles, que apresenta uma impressionante coleção artística, contando com obras de arte desde a Idade Média até a atualidade.
Quem o visita tem uma impressão diferente das visitas a outros museus, já que a presença de obras artísticas de tantos lugares e tempos distintos parece mais uma coleção pessoal do que uma exposição feita por curadores tradicionais. Isso acontece porque o “Getty Museum” é precisamente a coleção pessoal de Jean Paul Getty.
Assim, em Getty o investimento em arte estava associado à beleza das obras e ao desejo de posse das mesmas.
Getty morreu em 1976, pelo que nunca teve oportunidade de visitar o “Getty Center”, que só foi inaugurado em 1997.
Embora Jean Paul Getty tenha reunido uma das maiores coleções de obras de arte existentes, na fase final da sua vida viria a lamentar: “Eu deveria ter comprado uma dúzia de Renoir nos anos 30, em vez de um, além de alguns Degas, Monets, Pissarros, Manet, e menos tapeçarias e tapetes. Mas eu gosto das minhas tapeçarias, mesmo que não tenham aumentado 20 vezes em valor, como os impressionistas (7/11/1967)”.
Esta distinção entre a emoção e a razão é o que divide muitas vezes o comprador relativamente à aquisição de algumas obras de arte. No entanto, ambas devem predominar de forma integrada na construção duma coleção com identidade e potencial para fazer história.