Em poucas semanas aquilo que pensávamos ser possível apenas em filmes de ficção científica tornou-se a nossa realidade.
Algo invisível, um coronavírus, veio alterar as nossas rotinas e fazer com que todos os outros problemas mais globais ou locais se tornassem secundários. Os temas das preocupações mais mediáticas, como as guerras, o terrorismo, a crise dos refugiados, o Brexit, as alterações climáticas, o plástico nos oceanos, a necessidade de descarbonização, os incêndios ou a seca, ficaram abafados face à preocupação gerada pela doença Covid-19.
No final de março, no mundo o número de casos confirmados aproxima-se do milhão, com quase 50 mil mortos. Esta doença apresenta uma taxa de mortalidade muito elevada, podendo atingir qualquer um de nós, de qualquer meio socioeconómico, sexo, raça ou idade.
Para além de ser um grande problema de saúde pública, uma pandemia é também um grave problema económico, enquadrando-se no conceito de “cisne negro”, por se tratar de um acontecimento imprevisto e raro, com um grande impacto no tecido socioeconómico.
Mas penso que o maior impacto é ao nível comportamental, sendo desde logo necessário o isolamento social, fazendo com que haja um confinamento no espaço em que podemos movimentar-nos fisicamente e uma grande alteração nos estilos de vida de cada um e de todos nós. Neste contexto, as novas tecnologias adquirem uma maior importância, sendo o grande instrumento para possibilitar a comunicação interpessoal, a aprendizagem, através do ensino remoto, e o próprio trabalho, através do teletrabalho, cujas potencialidades eram muitas vezes desvalorizadas face a uma cultura do “marcar o ponto”, em vez do alcance de objetivos.
Toda esta situação provoca um elevado stresse, pois trata-se duma situação nova que exige importantes mudanças comportamentais. Embora todas as mudanças representem exigências de adaptação, pelo que são fator de stresse, neste caso há uma elevada incerteza, imprevisibilidade e insegurança, visto parecer quase impossível controlar o vírus a curto prazo, pois o acesso a uma vacina só parece ser possível daqui a cerca de um ano.
Tudo isto nos faz sentir “pequenos”, mas isso pode ser uma oportunidade para desenvolvermos uma maior humildade, flexibilidade e tolerância, bem como uma maior consciência de que tudo é relativo. A incerteza, que já faz parte da Física há quase 100 anos, através do Princípio da Incerteza de Heisenberg, e a relatividade, que já era evidenciada por Galileu, começando a ser lei na Física a partir de Einstein, é realmente algo que devemos interiorizar como natural. Efetivamente, nada está completamente garantido na nossa vida.
Esperemos que toda esta situação originada pelo novo coronavírus passe e que daqui a menos de um ano exista uma vacina e que nenhum outro vírus global nos atinja, seja biológico ou informático, mas devemos aproveitar este tempo em que nos encontramos em contenção, esta “paragem obrigatória”, não apenas para esperar que passe e volte tudo ao mesmo, mas para evoluirmos como seres humanos, nos nossos valores e nos nossos comportamentos.
Para tal é fundamental termos consciência da necessidade dessa evolução enquanto pessoas e enquanto espécie, tornando-nos mais solidários e procurando viver em paz, connosco, com os outros e com o planeta.
Em artigos anteriores procurámos evidenciar que as artes visuais podem ser usadas como forma de consciencializar as populações e de contribuir para que as pessoas adotem comportamentos mais adequados em relação ao ambiente (nos artigos “Pode a arte ajudar a proteger o ambiente?” e “Pode a arte ajudar a proteger os oceanos?”), bem como podem ser um importante instrumento no sentido duma educação para a paz e para princípios éticos universais e valores humanistas, como sejam a honestidade e o respeito pelos outros (no artigo “Pode a arte contribuir para a paz?”), ou ainda podem contribuir para o desenvolvimento de atitudes mais favoráveis do sujeito em relação a si próprio, sensibilizando-o para estilos de vida mais saudáveis (no artigo “Pode a arte sensibilizar para comportamentos mais saudáveis?”).
As artes visuais podem ajudar na criação de imagens que ajudem a sintetizar o essencial neste processo de consciencialização e de mudança de atitudes e comportamentos.
A situação de pandemia é recente pelo que ainda devem ser poucas as obras criadas com o objetivo de nos ajudar a refletir sobre esta situação e os aspetos com ela relacionados.
Da nossa parte procuramos dar um pequeno contributo através da obra “STOP! Este não é o caminho…”
Nesta colocamos uma figura humana um pouco diluída, significando que o nosso corpo é frágil e tem um tempo de existência reduzido naquilo que é a temporalidade do universo em que existimos e do planeta terra em que vivemos. E essa fragilidade é acentuada pelo atual coronavírus, invisível mas que pode pôr fim à nossa vida. Dessa forma, este vírus não é facilmente visível na pintura, sendo necessária uma lupa para o visualizarmos alojado no pulmão. É uma luta pela sobrevivência deste coronavírus, mas que começa a limitar a nossa capacidade de oxigenação e nos pode conduzir à morte.
Mas afinal é isso que nós estamos a fazer com o nosso planeta, nomeadamente com os incêndios na Floresta Amazónica, o principal “pulmão” da Terra. E tudo isto por objetivos de poder económico, num caminho de ilusão da sociedade capitalista, imediatista e consumista, em que nos vamos afundando progressivamente num abismo.
Seguramente este não é o caminho para a felicidade de todos e de cada um! Talvez o planeta esteja a pedir-nos para pararmos e alterarmos o caminho que estávamos a seguir, sendo necessário mudar alguns pressupostos, valores e comportamentos que não colocávamos em causa.
Os próximos tempos não vão ser fáceis, colocando à prova a nossa capacidade de adaptação, serenidade e resiliência, mas aproveitemos para refletir sobre o que realmente é importante e para desenvolvermos atitudes e comportamentos mais adequados para nós mesmos, para com os outros e para com este planeta em que temos o privilégio de viver!
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de abril)