Assinalou-se no passado dia 16 de Janeiro 245 anos sobre a criação do concelho de Lagoa. Esta efeméride consubstancia a afirmação e a autonomia político-administrativa perante Silves, até então sede de concelho, onde estava inserido este espaço territorial. Mas nesta data assinala-se igualmente a emergência e confirmação da situação económica, social e política de Lagoa, que se vinha afirmando desde o século XVI, num reino e região extremamente ruralizada, característica do Antigo Regime.
Quando se fala em Património de Lagoa, sentimos a necessidade de desconstruir e reanalisar o termo. Patrimónios, porque toda a História deste concelho é feita de afirmações, avanços e, porventura, retrocessos, reconhecimentos atribuídos ao labor e persistência das suas gentes, sendo esse verdadeiramente o seu Património, a história intrínseca, não contada, conhecida pelas vozes da tradição oral. A sua diversidade num território de pequena dimensão, administrativamente organizado em quatro freguesias (duas uniões), congrega uma miscigenação de culturas, espaços e relevos, que confere atualmente a este concelho um lugar de destaque para o entendimento sociológico e político do Algarve, sobretudo pelo contributo dos últimos três séculos, na redefinição de fronteiras, e na constituição de movimentos sociais, enquanto pólo agregador e multicultural, dinâmico, económico e culturalmente, e em harmonia com a sua biodiversidade e recursos naturais. Lagoa é um concelho que projeta a sua marca no espaço Europeu e Mundial.
A terra, o mar, o rio Arade e as suas margens, promoveram a fixação das populações, passando de uma economia baseada na sobrevivência e usufruto, para a exploração do espaço rural, produção manufactureira e comércio. Estes aspetos determinaram a ocupação geográfica e topográfica de locais que vieram a dar origem às povoações e vilas que compõem atualmente o território concelhio. Lagoa-Carvoeiro, Estômbar- Parchal, Ferragudo e Porches, distam entre si poucos quilómetros, mas cada uma destas freguesias possui elementos identificadores distintivos, Patrimónios que promovem a sua individualidade. Todavia, os hábitos e costumes das suas gentes sobressaem no contexto local e regional, conferindo identidade própria a este “jovem” e dinâmico concelho.
Os temp(l)os do Património de Lagoa são os lugares sagrados das pessoas e das suas devoções, os pequenos altares e nichos que se encontram um pouco por todas as suas freguesias, atestando a religiosidade de um povo perante quem os auxiliava e amparava nas horas mais difíceis. São as lendas, muitas delas do tempo de mouros e cristãos, como é característico da tradição oral algarvia, as festas e tradições populares, com destaque para as romarias e procissões religiosas que perpetuam a devoção dos habitantes ao seu orago, ao milagre ou evento transmitido oralmente pelos seus antepassados.
É temp(l)o do Património a olaria, com raízes que remontam ao século XVIII, e que se recria e reinventa nas peças produzidas pelos oleiros e artistas a partir da matéria-prima, o barro, e das cores. Para as gerações presentes e vindouras fica o trabalho destacado do nome de um dos mais conhecidos mestres oleiros: Fernando Rodrigues, atribuído à Escola das Artes de Lagoa, hoje um espaço vivo onde se ensinam e promovem as artes plásticas nas suas mais variadas formas. Património é a doçaria de cariz artesanal, tendo como base os figos, as amêndoas e os ovos. A gastronomia que, com origem nos géneros provindos da terra e do mar, resulta em iguarias de qualidade e tradição.
É também a sua tradição etnográfica, o folclore, que reproduz os dizeres, as cantigas, a dança, os encontros e namoros, as tradições e os ofícios dos finais do século XIX e primeira metade do século XX.
Mas verdadeiros templos do património são todos os Lagoenses que sentem e vivem esta terra, os seus hábitos e costumes com orgulho, participando ativamente na vida social e nos seus eventos culturais. São as associações culturais, recreativas e desportivas que representam e valorizam os lugares e os seus habitantes. São os visitantes, de inúmeras nacionalidades, que levam Lagoa consigo. São as expressões, os rostos, os vestígios, os imóveis, as praias, os algares, as falésias, o mar revolto de inverno, a calmaria das águas translúcidas do verão. Os rochedos que se assemelham a um qualquer navio, as fortalezas e torres de defesa e vigia, o casario empoleirado nas pitorescas vilas costeiras de Ferragudo e Carvoeiro, onde sobressaem as ermidas e as igrejas. De Lagoa os espaços conventuais e a Matriz. Do Parchal, os vestígios industriais e as salinas. De Porches a beleza natural do promontório, com a Ermida de Nossa Senhora da Rocha e os seus elementos arquitetónicos que remontam à alta Idade Média. De Estômbar a majestosa Igreja de S. Tiago, símbolo ímpar do Manuelino e da arquitetura religiosa no Algarve. Da Mexilhoeira da Carregação, os vestígios das fábricas de conservas de peixe, os lagares, as salinas e moinhos.
Lagoa é um temp(l)o do Património, do que é de todos nós, da nossa identidade.
Lagoa abraça o presente e perspetiva o futuro de mãos dadas com as suas origens, tradições e com o seu passado, promovendo-o de forma sustentável.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de Março)