Costuma dizer-se que “gostos não se discutem!” A afirmação baseia-se em ser o gosto algo muito pessoal. Alguém não gostar de chocolate, por exemplo, poderia deixar a maioria de nós surpreendidos, mas ninguém ousaria intrometer- se com as predilecções do paladar alheio. Admitimos facilmente que o prazer que o chocolate nos proporciona é privado e não universal.
Porém, serão todos os prazeres igualmente privados? Que tipos de prazer existem? Grosso modo, podemos afirmar que existem pelo menos três tipos de prazer distintos: o prazer do agrado, este que o chocolate nos propicia; o prazer moral que se instala ao praticar uma boa acção, ou com a boa sensação do dever cumprido; e existe ainda o prazer estético que experimentamos, por exemplo, na contemplação de um quadro. Clarifiquemos: um bolo de chocolate enorme, feito para entrar no Guiness não é necessariamente uma obra de arte. O prazer do agradável é muito diferente do prazer da contemplação artística.
O filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), na terceira crítica intitulada Crítica da Faculdade do Juízo, dedicou-se ao estudo destas questões: o belo da arte e o sublime da natureza. Chegou à conclusão de que quando nos relacionamos com algo do ponto de vista da contemplação nestas duas acepções, a qualidade desse juízo é estética. A palavra estética vem do grego aisthesis, que significa sensação. Precisamente, estético designa aquilo que é intuitivo e que, por conseguinte, se relaciona directamente com a sensibilidade. No domínio das artes, estético designa o sentimento de prazer ou desprazer que acompanha o juízo de contemplação artística.
Ora, quanto às artes os gostos discutem-se ou não? Também aqui é muito frequente que se considere que cada um tem direito à sua opinião e que ninguém poderá ter razão. Se se tratasse de um juízo de conhecimento a situação seria diferente. Se alguém disser, por exemplo, “esta mesa é quadrada”, basta comparar o formato da mesa com a figura geométrica do quadrado para se se saber se a afirmação é ou não verdadeira. O intuitivo da sensibilidade distingue-se do discursivo do entendimento que se rege pela exposição lógica mediante conceitos. Com os juízos de gosto não possuímos nenhum conceito que nos ajude a validar a nossa opinião. É por esta razão que Kant afirma que quanto aos juízos de gosto é possível discutir mas não disputar… O que torna, então, a discussão sobre o gosto possível?
Embora o domínio da sensibilidade estética se refira apenas àquilo que nas nossas representações é meramente subjectivo, isto é, aquilo que numa dada representação se refere meramente ao sujeito – o seu sentimento de prazer ou desprazer – e não entra, de modo algum, na determinação do objecto com vista ao conhecimento deste, é possível discutir. Esta possibilidade assenta no facto de o estético do juízo de gosto não ser o privado da mera sensação de agrado que se sente ao comer um chocolate, por exemplo. O juízo estético é um juízo subjectivo, sim, mas não é privado e, embora não lógico, tem pretensão de universalidade! Como é isto possível?!
O juízo estético assenta sobre o nosso sentimento de prazer ou desprazer, que é colocado como fundamento, não como privado mas como um sentimento comunitário! Somente sob a pressuposição de que exista um sentido comum, o juízo de gosto pode ser proferido. Quem declara algo belo sugere que qualquer um deva aprovar o objecto em apreço e igualmente declará-lo belo. Daqui decorre a pretensão de universalidade com que é proclamado.
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(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de Julho)