O Algarve e o espaços de isolamento
Curiosamente, o isolamento tem sido aquilo que mais tem caraterizado a região do Algarve, nos tempos mais antigos, historicamente falando. No entanto, com o efeito do Turismo e da inclusão de mão-de-obra estrangeira na Agricultura, ficamos, de facto, mais expostos à penetração de qualquer situação maligna, neste caso, de contágio do vírus.
As portas de entrada do Algarve são pelo ar, através dos aeroportos, ou terrestre da parte da ligação a Espanha, e por mar, pelos portos e marinas. As questões de isolamento de uma região face ao estrangeiro por exemplo são medidas difíceis de tomar, mas, neste caso, teria sido a mais óbvia, e que tardiamente se entendeu realizar.
Como região, sendo uma área periférica em relação ao resto do país, sempre associada a descanso e a lazer, em época de Páscoa, é óbvio, que será a mais procurada com fluxos pelas vias municipais, naturalmente, sendo as estradas pouco controladas pelas autoridades policiais. No entanto, exatamente porque o Algarve não tem infraestruturas de ligação fortes e completamente estruturadas, poderia ser muito facilmente controlada. A sua maior debilidade que é ter poucas ligações tanto ferroviárias, como rodoviárias, poderia agora transformar-se numa vantagem, pela facilidade de controlo.
Fundamento para os cercos
Em dois meses, o vírus de Wuhan espalhou-se pelo mundo devido ao efeito da forte globalização em que vivemos. Neste momento, é reavivado um conceito medieval que parecia ter ficado esquecido na história, o cerco. Wuhan viveu uma situação de isolamento forçado, fortemente policiado imposto pelo regime comunista da China, que muito provavelmente nas democracias ocidentais teria sido improvável.
Os cercos, que antes eram realizados por muralhas à volta dos aglomerados urbanos e por água, agora são difíceis de implementar, face à diluição entre o urbano e o rural, entre o consolidado e o periurbano. As ramificações das urbes estendem-se hoje pelo campo e distribuem-se em vasos capilares. O Algarve tem por caraterística um povoamento disperso, mas com alguma densificação nas cidades. O sistema urbano é polinucleado e tem grandes interdependências funcionais, face à nossa pequena escala.
Será dramático nos tempos de hoje falarmos em cercos policiais à volta dos núcleos urbanos das cidades, mas parece já estar a ser uma prática, com postos de controlo. Estes cercos à urbe que antigamente eram representados por exércitos de invasores, neste momento são realizados por autoridades do nosso Estado. A comparação até pode ser excessiva, mas a História é interessante. Poder-se-á reconhecer quais os pontos de ligação ao exterior de uma dada cidade, através dos locais de controlo policial e ainda pelas infraestruturas existentes. Admite-se a necessidade desse rigor, face a alguma inconsciência dos cidadãos, no entanto, questiono o que irá acontecer às empresas e às estruturas produtivas que ainda temos no país.
Por outro lado, se todas as cidades ou aglomerados tiverem esse cerco, como ficará o sistema polinucleado que existe hoje no Algarve, até no setor da saúde e de segurança? Provavelmente, sem grande resposta, porque não existindo muitas infraestruturas de suporte locais, tudo se centraliza em Faro.
A resiliência dos territórios
Dada a exigência deste estado de emergência, facilmente se conclui que esta pandemia é uma prova de resiliência das pessoas, empresas e territórios. O Algarve, surpreendentemente, reagiu muito bem, porque o número de casos é diminuto ainda assim, e tem estado a cumprir de forma exemplar as medidas de proteção. Apesar de uma região exposta, e com o maior pendor turístico do país, o crescimento da pandemia tem sido lenta, e com poucos casos.
No que diz respeito à saúde, embora, possa ser uma região desprezada pelos sucessivos Governos, ela tem dado o seu melhor nos hospitais. Os casos estão a ser acompanhados e até agora, apesar do caos instalado na falta de meios e recursos, ainda existem pessoas que fazem os pequenos milagres de assistência, mantendo os equilíbrios necessários.
Passado este tempo de contenção, virá a recessão, e as empresas e a economia levarão anos ou meses, a recuperar. A esperança é que quando existir recuperação, esta acontecerá primeiro no Algarve.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de abril)