Preparar a época dos fogos
Após o desastre nacional dos fogos no último verão, com todas as consequências de perdas de vidas humanas, de perdas de património, o país inteiro cumpridor preparou-se para uma nova época. Foi com um enorme esforço financeiro, e de recursos, que se efetuaram limpezas de bermas de estradas e de árvores e arbustos à volta das habitações, num verdadeiro frenesim, um pouco descontrolado, sob a ameaça e a pressão das coimas.
As autarquias foram chamadas à responsabilidade de atuar face aos proprietários incumpridores, a contratar desenfreadamente privados que possam realizar a tarefa de corte e limpeza no espaço de dez metros dos caminhos, assim como a limpeza de terrenos identificados na envolvente das habitações e dos aglomerados.
Apesar de toda esta atuação ser relevante e importante, a pressa é má conselheira e deu azo a comportamentos excessivos por um lado, e a desperdício de recursos financeiros face à dimensão herculiana da limpeza das florestas, por outro.
Necessidade de ordenar a floresta
A prática de planeamento que possuo, na escala do PDM ou dos planos municipais mais de pormenor, como instrumentos de gestão territorial, não tem um foco no ordenamento florestal, mas sim, sobretudo no conceito de solo urbano/solo rural. Não se trata a floresta, ou a agricultura a nível municipal. Porém, nos últimos anos, as Câmaras Municipais tiveram de produzir os denominados Planos Municipais de Defesa da Floresta Contra Incêndio. Estes definiram de forma muito pouco sensível, na sua grande maioria, os graus de perigosidade no seu território, face ao risco de incêndio, variando entre a Muito Alta e a Muito Baixa.
Destas manchas definidas, como resultado de uma aplicação de software especializado, sem grande tratamento aparente, sem continuidade, e sem escala, foi concretizada uma carta de um plano, carta de perigosidade de incêndio rural, que constitui uma verdadeira pulverização do território em pequenos espaços entre o vermelho, laranja e amarelo. Esta carta serve agora de condicionante e não de plano no âmbito dos instrumentos de gestão territorial, com base na Lei n.º 76/2017 de 17 de agosto.
Aplicação disfuncional de uma Lei da Defesa da Floresta
De acordo com a nova Lei relativa ao Sistema Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios, fora das áreas edificadas consolidadas não é permitida a construção de novos edifícios nas áreas classificadas na cartografia de perigosidade de incêndio rural definida como de ‘alta’ e de ‘muito alta’ perigosidade. Todas as restantes terão de ter parecer vinculativo do ICNF, o qual baseia-se em matérias que ainda não foram regulamentadas devidamente.
Sabe-se, assim, que tudo o que está em espaço rural, e que até aqui poderia ser resolvido com os PDM’s e com os restantes Instrumentos de Gestão Territorial, agora são de forma praticamente automática, e sem discussão pública, resolvidos com uma restrição ao direito privado, proibindo a construção de novas edificações, ou de ampliações de existentes.
À custa dos fogos florestais, que é um assunto sério e complexo, temos agora medidas legislativas que afetam cidadãos, mais uns do que outros, mas que escapam à lógica estruturada e inteligível. Haja, pelo menos, a capacidade de planear bem e de ordenar, o qual não basta proibir cegamente a construção de edificações rurais, é algo mais do que isso. Os Passadiços de Paiva são um exemplo, bem-sucedido, da ligação perfeita entre a paisagem e a conceção artística da construção humana. Quando tal acontece, é uma valorização ímpar do nosso território.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de Julho)