O litoral algarvio: desequilíbrios Territoriais
Será certamente uma evidência que a nossa maior riqueza em termos regionais é o litoral algarvio, tanto pela sua beleza natural, como pela sua riqueza biofísica, provocando uma atratividade turística.
Verifica-se, porém, que apesar desta bênção, no Algarve, nada se tem feito de verdadeiramente relevante para que possamos assegurar a sua sustentabilidade para as gerações futuras. Os investimentos públicos de reabastecimento de areias em praias cuja dinâmica é complicada são poucos e cirúrgicos, as infraestruturas de suporte das praias são escassas face à procura, com fracas acessibilidades pedonais e rodoviárias, desordenadas tantas vezes. A questão sísmica e a erosão costeira revelam ainda mais as debilidades da nossa costa, devendo ter uma atenção especial.
A questão do ordenamento do litoral continua a ser uma tarefa difícil do Governo, praticada por vezes, sem grande equilíbrio, e justa medida e no caso das autarquias os casos existentes de gestão camarária são de pouca qualidade.
Apesar da Universidade do Algarve possuir um profundo e meritório conhecimento científico, parece que os governantes tardam a tomar decisões, sendo um motivo de luta permanente, entre população local e governantes e sem uma forma sensata de produzir um pensamento comum e estratégico para o Algarve.
Quanto aos aglomerados urbanos das ilhas barreiras no Município de Faro, constatam-se pelo menos quatro situações distintas: a Praia de Faro, área desafetada do Domínio Público Marítimo, fustigada frequentemente por eventos de risco; a Culatra, com estatuto de reestruturação do aglomerado; os Hangares com proposta de renaturalização; e o Farol, dividido em dois, um que foi permitido construir com licenças anuais e outro a renaturalizar. Para além destas situações, ainda temos a Ilha da Armona, a qual foi objecto de uma Concessão de Espaço Público à Autarquia. Perante tão díspares opções de gestão e de planeamento, é legítimo que as populações questionem porque é que é a minha casa que tem de ir a baixo? É uma questão da mais elementar justiça, que é saber quais os critérios que estão subjacentes à lógica de planeamento que obriga à renaturalização e outros que não.
O Estado Atual do Nosso Planeamento no Litoral
Os valores a defender no ordenamento do nosso litoral são da maior importância porque a segurança das populações e a continuidade do nosso sistema lagunar, por exemplo, revelam questões fundamentais que não poderemos ignorar, sob pena de um dia o mar provocar danos difíceis de suportar.
A coordenação e a compatibilização do ordenamento e da gestão do espaço marítimo nacional com as políticas de desenvolvimento económico, social, de ambiente e de ordenamento do território, será a tarefa mais exigente e árdua em termos políticos. É urgente refletir, planear e investir seriamente na orla costeira e no espaço marítimo.
Com a revisão dos PDM’s no Algarve, os Planos Especiais, como o POOC e o POPNRF serão vertidos nas suas normas para o regulamento municipal do PDM, sendo esta transposição uma imposição, sem que haja uma forte discussão sobre as mesmas. Por outro lado, não poderão deixar de ser regulamentados até julho de 2020, dado que dá direito a suspensão das normas do PDM que possam estar em contradição, para além da perda de acesso aos fundos comunitários por parte dos municípios.
Porém, a revisão dos Planos Especiais não está implícita nesta transposição das normas, podendo ser necessário uma segunda adaptação do PDM de 2ª geração logo após a sua publicação, já com uma nova proposta. A alternativa a esta realidade é nunca existir uma verdadeira revisão dos Instrumentos de Gestão Territorial da Orla Costeira e ficar só pela sua mera transposição.
Estamos num tempo de oportunidade para o planeamento, pelo que, como algarvia, sinto a necessidade de apelar aos governantes que os nossos instrumentos de gestão territorial a nível regional, reflitam ambição e valores para o nosso território, com uma estrutura lógica coerente e integradora de vontades, resultado também de uma participação efetiva das populações.
Praia de Faro: Um Caso Complicado
Como ex-vereadora dos últimos mandatos em Faro, posso referir que participei ativamente no planeamento dentro do âmbito do PDM, com a constituição de aglomerados urbanos nas Ilhas Barreira, e com a preparação de um Plano de Pormenor para a Praia de Faro, que apesar de profundamente justificado por documentos técnicos como do LNEC e da Universidade do Algarve, nunca chegou sequer a ser discutido.
A Praia de Faro possui uma exposição ao mar que lhe é desfavorável, tendo por outro lado, sido cortada a migração de sedimentos do lado nascente devido ao pontão de Vilamoura e dos molhes de Quarteira. As dificuldades de manutenção da praia e das estruturas nesta área são acentuadas também pelo aumento da frequência das tempestades resultado das alterações climáticas, caraterizadas por uma violência tal, que somos confrontados com o transporte radical das areias para outras paragens. As proteções físicas na costa com molhes ou barreiras pesadas serão uma alternativa, mas muito cara e provocadora de impactes ambientais muito significativos ainda não totalmente estudados, tanto no sistema dunar das restantes ilhas, como também sobre a abertura de barras, e no próprio sistema lagunar, etc.
A zona desafetada da Praia de Faro é um espaço privilegiado de beleza natural e de vivência da nossa população local, e na verdade, é um espaço urbano, por natureza, com comércio, equipamentos como o centro náutico, dinâmicas escolares, espaços de lazer, arruamentos, habitações, etc, pelo que, importa defender.
A solução técnica da reconstrução dunar, no local onde ela já existiu seria a melhor forma de proteger as próprias casas, ou as que fossem possíveis de manter. Porém, essa solução técnica exigiria parcialmente demolições, a relocalização de habitações, e estruturas e tal é financeiramente incomportável para uma autarquia, para além de politicamente desastroso.
Assim, por mais estudos que se façam, ou Planos de Pormenor para esta parte do território, estes dificilmente serão levados a sério, a não ser que produzissem espaços conquistados ao mar, o que teria de ser assumido pelo Estado, como a única alternativa viável.
A Revitalização de Actividades Económicas Próprias do Algarve
Não se poderá conceber uma aposta no Turismo de Qualidade sem que haja uma conformidade deste com a natureza e com a procura turística. Os valores de sustentabilidade ambiental serão fundamentais na procura das atividades a regenerar.
As estruturas de exploração salineira em Castro Marim são um exemplo desta recuperação da nossa identidade cultural e um estímulo à procura de novos produtos turísticos. Será de salutar importância a identificação das atividades que são elementos da nossa cultura e que devemos valorizar. Os portos de abrigo para a pesca tradicional dentro das normas de proteção ambiental são uma necessidade para a nossa comunidade local, que nem sempre tem tido o espaço adequado.
Os próprios portos comerciais, que parecem ter perdido importância, devem ser tratados com reflexão estratégica, para que não percamos a possibilidade de ancorar navios de maior porte, para além da relevante questão, se podemos ou não receber cruzeiros no Algarve.
A fundamentação técnica das opções a tomar no planeamento do nosso Litoral é um requisito prévio para evitar soluções de aparente melhoria, mas que facilmente serão destruídas. A defesa do Algarve é uma necessidade de todos, os que residem cá e os que nos visitam.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de Abril)