Recuando cronologicamente no tempo, verificamos que existem registos históricos que relatam acontecimentos desportivos desde as mais remotas descobertas arqueológicas. O desporto foi sempre um fenómeno grandioso, talvez porque desde sempre teve a sua essência associada à emoção, sentimento tão peculiar do ser humano. É certo que nos primórdios, a atividade humana se centrou inicialmente na própria sobrevivência da espécie, mas a partir do momento em que se constituíram sociedades surgiu a necessidade de “entreter”, de ocupar os tempos livres dos seus habitantes, de enaltecer as capacidades físicas de uns, de repudiar as fraquezas de outros, de venerar ídolos nas mais diversas áreas. “Desportivizou-se” a sociedade. Com o tempo o desporto tem vindo a mudar e a corresponder às ânsias de uma sociedade cada vez mais competitiva, egoísta, desenfreada e muitas vezes incapaz de viver o desporto na sua essência. O desporto tornou-se um fenómeno social e mundial e o seu legado é enorme, quer em termos de objectos produzidos, de património edificado, de equipamentos construídos, da tecnologia empregue, quer em termos de património imaterial através das memórias que ficam depois dos eventos desportivos. O desporto teve desde sempre uma conotação positiva, daí a sua popularidade.
A prática desportiva federada popularizou um vasto número de modalidades desportivas e com elas surgiram verdadeiras indústrias que lhes deram outro poder. As mil e uma coisas boas do desporto, trouxeram outras mil e uma coisas más, novas ameaças e desafios. Os média divulgam os nossos heróis de forma tão rápida, que atualmente assistimos em direto e praticamente em tempo real às suas grandes vitórias e derrotas, compramos os seus equipamentos, partilhamos as suas emoções, a sua história, rimos e choramos com eles. Os heróis do desporto tornam-se património local, nacional e mundial, estão um pouco por todo o lado, fazem parte da nossa história, da nossa identidade, provocam cerimónias de estado, de reconhecimento público e assim a conotação positiva do desporto perdura primeiro na nossa memória e depois na nossa história coletiva. O seu legado traduz a história do nosso país, pequeno em tamanho mas grande em património, força de vontade, querer e determinação. Atualmente o tema património está na moda, o fado foi considerado património cultural imaterial da humanidade em 2011, em 2014 seguiu-se o cante alentejano e mais recentemente os bonecos de Estremoz (2017). Mas o “desporto” é património? O desporto produz património material e imaterial, mobiliza massas, desperta ódios e paixões, deixa a sua marca um pouco por todo o lado, marca instituições, países e o Mundo.
Os Jogos Olímpicos são um bom exemplo do poder que o movimento desportivo pode ter. As ruínas de Olímpia onde decorreram os primeiros Jogos Olímpicos à semelhança do Coliseu de Roma (então Arena), os cavaleiros, os torneios ou as justas hoje em dia bem reproduzidas nas Festas e Feiras Medievais que decorrem de norte a sul do país, durante todo o ano, e outras tantas construções, registos e objectos chegaram aos nossos dias bem preservadas e permitem-nos relembrar e imaginar a glória das manifestações desportivas da antiguidade. Estes são apenas exemplos do património que o desporto criou ao longo da história, da nossa história, exemplos marcantes que nos ajudam a compreender a nossa identidade.
O associativismo produz património?
O associativismo está na base da pirâmide desportiva. Se efetuarmos uma pequena pesquisa pelo mundo virtual, iremos constatar que praticamente todas as localidades sejam grandes ou pequenas têm um clube ou associação com o seu nome ou semelhante. Ora, querem um melhor exemplo de como o desporto está integrado e bem enraizado na nossa sociedade? De como os troféus conquistados, as cores dos seus equipamentos, os seus emblemas, representam a nossa identidade cultural e o nosso património histórico? De como o orgulho das gentes locais se manifestam quando questionamos um habitante sobre o seu clube e ele consegue identificar rapidamente os seus ídolos dentro do clube. Os museus criados sobre o pretexto desportivo, os prémios como forma de reconhecimento, os testemunhos escritos, os testemunhos áudio, as imagens, os estádios construídos, os símbolos criados, são tantos os exemplos do poder do desporto e do seu património. Os clubes e associações foram e são pólos importantes de socialização das populações locais, são agentes mobilizadores inquestionáveis muitas vezes movidos por motivações intrínsecas de dirigentes que “por amor à camisola” dão a cara e constroem um legado que passa de geração em geração. Construir sedes, campos, conquistar troféus, são representativos da grandiosidade e da vontade das suas gentes, parte da sua memória coletiva e identidade cultural. Mas o fenómeno desportivo é muito abrangente, para além da prática desportiva federada, regular e de carácter competitivo abrange a prática desportiva informal. O mais recente aliado do movimento desportivo chama-se “saúde” e as motivações pessoais dos atletas são tão diversificadas como as motivações dos atletas de alta competição. Surgem novos grupos, novas modalidades e atletas informais por todo o país, o movimento desportivo surge agora noutra vertente, sem compromissos a não ser os pessoais. Promovem-se encontros entre pessoas, amizades e socialização, aquela que remonta à origem e criação das primeiras colectividades. O Associativismo está em metamorfose?
Somos um país pequeno mas tão grande em feitos e património desportivo! Daqui a alguns anos o Eusébio, a Rosa Mota, o Nelson Évora, o Cristiano Ronaldo e as selecções nacionais ficarão para a história como memórias. Marcaram épocas, gerações, criaram modas, troféus, deram nome a ruas, a aeroportos, a museus, criaram história, história que é preciso preservar e passar às novas gerações. O deporto é um fenómeno poderoso! Quem serão os novos heróis nacionais? Que legados nos irão deixar? Aguardo com expectativa o futuro…
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de Janeiro)