A latoaria é um ofício que tem cada vez menos praticantes. Esta arte esteve mesmo à beira da extinção.
O POSTAL falou com Graça Palma, coordenadora do Projeto “ A Arte do Latoeiro”, que teve como principal objetivo reativar este ofício no Algarve e com um dos aprendizes, Túlio Martins, que é também o mais novo latoeiro do Algarve.
Graça Palma, coordenadora do projeto “A Arte do Latoeiro” disse ao POSTAL que esta iniciativa está integrada na intervenção do projeto TASA (Técnicas Ancestrais, Soluções Atuais) e decorreu em dois períodos: 2017 e 2018.
A responsável salienta que “existia a necessidade de fazer uma intervenção no sentido de salvaguardar uma arte que se encontrava em extinção no Algarve, sendo que o projeto Arte dos Latoeiros surge exatamente dessa necessidade”.
O projeto TASA pretendeu reativar o ofício da Latoaria
O projeto TASA trabalha com as artes e ofícios tradicionais, alguns já extintos e outros que estão em vias de extinção. “Conscientes desse aspeto procurámos intervir no sentido de reativar o ofício da latoaria”, explica Graça Palma.
O projeto teve o apoio da EDP Produção, da Câmara Municipal de Silves e da Junta de Freguesia de São Bartolomeu de Messines.
Graça Palma explicou ao POSTAL que “a Câmara Municipal de Silves tinha o espólio de um antigo latoeiro que era muito querido da população, o senhor Raúl. Este senhor tinha uma oficina no centro da vila e doou todos os equipamentos à autarquia, para haver uma continuidade do seu trabalho e colocar os seus instrumentos e ferramentas em museu”.
A coordenadora explicou que entretanto conheceram “dois mestres latoeiros, um do Alentejo e outro de Vila Real de Trás-os-Montes e vimos que tínhamos todas as condições para iniciar essa intervenção”.
A primeira fase do projeto centrou-se na transmissão de conhecimentos mestre-aprendiz
A primeira fase do projeto, que teve lugar em 2017, centrou-se na transmissão de conhecimentos mestre-aprendiz. Durante a iniciativa foram formados cinco novos latoeiros.
“A lógica do TASA é sempre levar inovação, porque acreditamos que se introduzirmos um fator de inovação nas artes tradicionais, existem mais condições para estas se tornarem sustentáveis, uma vez que respondem mais diretamente às necessidades do mercado atual”, refere Graça Palma.
Neste sentido, “convidámos um designer que desenhou peças com as técnicas da latoaria, com um design mais apelativo e mais contemporâneo”.
O projeto pretendeu envolver os latoeiros e a comunidade
A segunda fase do projeto foi centrada na capacitação dos latoeiros para que eles pudessem abrir e desenvolver as suas atividades.
Durante a iniciativa “A Arte do Latoeiro” existiu outra linha de ação que consistiu no “envolvimento da comunidade com os novos latoeiros”.
“Fizemos uma intervenção de design social envolvendo a comunidade na criação de um itinerário temático feito com peças da latoaria pelas principais ruas da vila. Em São Bartolomeu de Messines foram intervencionadas 11 ruas.
“Agora existe um percurso temático relacionado com os temas identitários daquela vila, com as memórias relacionadas com João de Deus e a importância que ele teve nos processos de alfabetização, por exemplo”.
Em São Bartolomeu está a funcionar uma oficina provisoriamente na casa onde nasceu João de Deus.
Dos cinco latoeiros apenas três abriram atividade
Dos cinco latoeiros que participaram no projeto apenas três abriram atividade, sendo que dois estão a tempo inteiro e o outro concilia com outra atividade profissional. Dos outros dois, um não chegou a abrir atividade de todo e o outro continuou mas para fins artísticos.
“Neste momento consideramos que o ofício foi reativado, uma vez que existem três latoeiros jovens a laborar”, afirma Graça Palma.
“Eles estão a desenvolver a sua atividade, têm encomendas, participam em feiras, estão no ativo”, complementa a coordenadora.
A missão do projeto TASA é tornar a atividade artesanal numa profissão de futuro. “No fundo é criar condições para a sustentabilidade destes ofícios, alguns deles seculares, milenares”, realça.
“Há uma apetência do mercado para o produto artesanal, para o produto com história, ligado à identidade da região e, portanto, vamos agora na medida das nossas possibilidades e com parcerias que consigamos constituir com entidades públicas e privadas, tentar continuar a transmitir os saberes para novas gerações de artesãos como aconteceu noutras áreas”, salienta Graça Palma
Túlio Martins foi um dos aprendizes e atualmente é o latoeiro mais novo do Algarve
Túlio Martins tem 28 anos e participou no projeto “A Arte do Latoeiro”.
“A minha mãe é tecedeira e passei a minha infância a ir com ela a feiras como, por exemplo, a Fatacil”, revela em entrevista ao POSTAL.
“Sei bem quais são as dificuldades em tentar manter vivas estas artes”, frisa o jovem latoeiro.
Túlio Martins refere que nunca tinha experimentado este ofício antes de entrar no projeto. “Não sabia nada de latoaria. O meu pai incentivou-me a participar nesta atividade, pois assim “existiria mais alguém que podia contribuir para manter esta arte viva”.
“Fui uma das cinco pessoas a aprender. Fui ganhando o gosto. Partíamos de uma folha de chapa, dávamos-lhe forma e assim nascia uma peça”, recorda.
Túlio Martins concilia a latoaria com a sua atividade profissional
O latoeiro refere que “ao trabalhar com o material começam a surgir novas ideias. Uma das coisas mais recentes que comei a ver foi exatamente como poderia adaptar máscaras em cartão à latoaria”.
Túlio Martins concilia a latoaria com a sua atividade profissional.“Quando estava desempregado costumava dedicar entre duas a três horas à latoaria”.
Os conhecimentos foram-lhe transmitidos por dois mestres latoeiros.
“Os mestres transmitiram-nos saberes muito importantes, no entanto, deixam sempre algo que temos de descobrir por nós mesmos. E esta arte só se aprende fazendo”.
Túlio Martins não esconde o gosto que tem por esta arte secular. “Vejo-me como alguém que deve manter este conhecimento e, no caso de surgir alguém que queira aprender, ser o transmissor deste ofício, caso tenha
a disponibilidade necessária”, revela.
Túlio Martins pratica esta arte em Messines, no espaço comum que partilha com os restantes latoeiros.
“Como sou da terra sou eu que o utilizo mais. É um espaço histórico, pois é o local onde nasceu João de Deus”.
Quanto à latoria propriamente dita, Túlio salienta que “o material é muito versátil, sendo que existe um tipo de chapa mais maleável que outro. Depende muito da utilidade que lhe queiramos dar”.
Os utensílios mais solicitados são baldes, funis, rocas e pás
O jovem latoeiro deixa um conselho a quem queira experimentar esta arte: “tenham vontade, gosto e bastante criatividade. O material tem vários usos. Vi vários designs em outros materiais que me deram várias ideias de como adaptá-los à latoaria. As ideias vão surgindo naturalmente”.
Túlio Martins tem o desejo de “continuar a praticar este ofício, contribuindo, deste modo, para a manutenção deste ofício tão antigo”.
SAIBA MAIS EM:
A arte de ensinar o ofício da latoaria
(Stefanie Palma / Henrique Dias Freire)