O conceito de património, no domínio cultural, integra múltiplas realidades temáticas (arqueológico, industrial, etnográfico, científico, literário, musical, teatral,…), períodos históricos (pré-histórico, antiguidade clássica, medieval, moderno, contemporâneo,…) e movimentos ideológicos e expressões estéticas.
A gestão cultural, disciplina científica investigativa e essencialmente prática, define um tronco comum, a gestão dos recursos culturais, de natureza interdisciplinar, também campos especializados, as artes do espectáculo, bibliotecas, museus, arquivos, centros de ciência, edição, transdisciplinares…
A programação e a produção não constituem áreas autónomas são complementares à gestão cultural. A preceder a gestão cultural está a política cultural definidora de princípios e objectivos.
As experiências de Gestão Cultural são múltiplas, contudo não devem ser vistas como “modelo” mas como respostas a situações concretas. É nesta perspectiva que neste artigo continuaremos a abordar a experiência de Tavira no campo do património e artes visuais.
Nas últimas duas décadas colocaram-se questões estratégicas ao desenvolvimento cultural. Numa cidade muito antiga, com perfil histórico-patrimonial e atracção turística, como deverá ser definida a estratégia para a cultura? Valorizando apenas aspectos dessa herança patrimonial, estudando e musealizando, desenvolvendo um discurso “patrimonialista” centrado no passado e na “tradição”? Que lugar para as manifestações artísticas da modernidade e da contemporaneidade?
A opção foi a coexistência das duas perspectivas no desenvolvimento cultural com enquadramento educativo, de informação e serviço publico, aproveitando as reabilitações de edifícios históricos promovidas pela autarquia: Convento do Carmo/Ciência Viva, antiga prisão/Biblioteca, Casa Cabreira/Arquivo Municipal, Palácio da Galeria/Museu.
O aproveitamento do Palácio da Galeria para funções museológicas com integração da arte moderna e contemporânea foi um caso bem-sucedido pela representatividade e regularidade expositiva, um contributo para a melhoria educativa e da oferta cultural da região.
Em 2000 já existia uma perspectiva de rede museológica municipal ampla mas sem suporte de sustentabilidade, isto é, disponibilidade de meios humanos e financeiros.
O programa inicial para o Palácio da Galeria propunha um “centro cultural” mas obras invasivas conflituavam com a sensibilidade arqueológica do local. A evidência surgiu logo no decurso da reabilitação do corpo existente, um palácio barroco do séc. XVIII, onde foram exumados materiais do séc. VIII a IV a.C. e descobertos “poços votivos” fenícios, assim interpretados e designados pelos arqueólogos. A inauguração da reabilitação ocorreu em 5 de Outubro de 2001.
Em 2002 iniciou-se um programa de divulgação da arte moderna e contemporânea, sendo apresentadas nesse ano exposições individuais de gravura de Bartolomeu dos Santos e do catalão Antoni Tapies. A adesão de público foi sendo crescente, ano após ano, atingindo em 2017 os 80 mil visitantes no Palácio da Galeria e núcleos museológicos
Pelo Palácio da Galeria passou uma geração de grandes criadores já desaparecidos, como Ângelo de Sousa, Alberto Carneiro, Costa Pinheiro, Günter Grass, René Bertholo, Gerard Castello Lopes,… que estiveram presentes e acompanharam as suas exposições. Incluídas nos programas referências da arte portuguesa e internacional, como Júlio Pomar, Luis Gordillo (Prémio Velasquez – 2008), Cabrita Reis, Joana Vasconcelos, Rui Sanches, Leonel Moura, Sofia Areal, Xana, Rico Sequeira, Manuel Baptista, Ivo, também fotógrafos como Luís Ramos, Roberto Santandreu, Fernando Ricardo, José Manuel Rodrigues, Hector Garrido e artistas residentes na região com universos personalizados, Antonio Alonso, Paulo Serra, Karstie Stiege, Araci Tanan,…
Importantes colecções de arte portuguesa foram apresentadas no Palácio da Galeria, Arpad Szenes/Vieira da Silva, Fundação Berardo, Caixa Geral de Depósitos, EDP, Culturgest, Fundação Calouste Gulbenkian, Casa da Cerca, Centro Português de Fotografia, Museu da Presidência da República, Cupertino de Miranda. Os mais qualificados curadores de arte portuguesa trabalharam no Palácio da Galeria nas mais de 80 exposições que deixaram nos catálogos preciosa informação.
Investigação sobre a história e património da cidade e região em articulação com a divulgação da arte moderna e contemporânea permitiu enriquecimento cultural complementado com o trabalho permanente de serviço educativo, reabilitação e restauro, arqueologia, visitas ao património,…
Património e desenvolvimento cultural são construção de muitas gerações.
O futuro começou ontem.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de Março)