Fernão Lopes foi o primeiro cronista do Reino, reconhecido pelo seu método rigoroso, estilo de prosa “realista”, sobre quem Alexandre Herculano afirmou já “ter nascido historiador”. Lopes teve importancia decisiva na reconstituição do passado nacional nos finais da Idade Média e na descrição das mudanças estruturais ocorridas num período turbulento, a crise 1383-1385, com ascensão de D. João I e o início da segunda dinastia.
Questiona-se hoje os motivos porque Fernão Lopes deixou para outro a tarefa da descrição da conquista de Ceuta de 1415, sucesso que antecede a descoberta da Madeira e dos Açores, ao qual o Algarve esteve ligado. D. João I e os príncipes regressaram de Ceuta por Tavira e na cidade o futuro rei D. Duarte e seus irmãos D. Pedro e D. Henrique foram distinguidos com honrarias e doações.
Sucedeu-lhe Gomes Eanes de Zurara, homem ligado ao Infante D. Henrique, a quem dedicou textos laudatórios que viriam a originar a lenda do “Navegador”, na qual o Infante aparece como visionário e quase exclusivo obreiro das Descobertas Portuguesas. Alexandre Herculano refere que com Zurara houve, em relação à obra de Fernão Lopes, uma alteração do conceito de história e António José Saraiva chamou-lhe “ historiador da nobreza e dos seus ideais” como o confirma as obras que escreveu para casas senhoriais.
Entre os cronistas mais relevantes da época, sobressaem Garcia de Resende, que foi “moço de escrivaninha” de D. João II e João de Barros com vivências e grande experiência no Oriente e que a pedido de D. João III escreveu “As décadas da Ásia”.
O mais destacado homem de letras do Algarve nesse século foi Jerónimo Osório (1506-1580), Bispo de Silves, humanista e latinista de renome, homem viajado e contrarreformista, escreveu “Da vida e feitos de El-Rei D. Manuel I”.
O século XVI, pleno de movimentos de ideias, revoluções tecnológicas e artísticas, deixou marcas que permanecem em Portugal, na Europa e no mundo. Vários autores descreveram o Algarve quinhentista em textos que merecem especial referência.
João Cascão, escudeiro de D. Sebastião, acompanhou o jovem monarca nas visitas pelo Algarve, entre Janeiro e Fevereiro de 1573, preparatórias da “jornada de África”, descrevendo-as pormenorizadamente na “Relação da jornada de El-Rei D. Sebastião quando partiu da Cidade de Évora”. No contexto das descrições do Algarve merece também referência a “História do Reino do Algarve” de Henrique Fernandes Sarrão, mas o destaque maior vai para a obra de um religioso que viveu e morreu no Algarve na segunda metade do século XVI, Frei João de São José.
Frei João de São José, natural de Tentúgal, religioso agostinho, publicou em 1577 a “Corografia do Reino do Algarve dividida em quatro livros” que o historiador Joaquim Romero de Magalhães, recentemente falecido, considerou “a mais notável corografia do Renascimento em Portugal”.
Foi prior em Tavira, cidade onde terá falecido em 1580, ano também da morte de Jerónimo Osório e da perda da nacionalidade por morte do Cardeal D.Henrique, com disputa sucessória e intervenção militar de Felipe II.
Pertencia à mesma ordem religiosa e foi contemporâneo de Frei Valentim da Luz, do Convento de Nossa Senhora da Graça em Tavira, frade agostinho condenado pelo Tribunal da Inquisição, queimado em 1562 num auto de fé realizado no Terreiro do Paço.
A corografia é um género descritivo que se diferencia da Geografia, incidindo numa escala espacial mais reduzida e muito detalhado em pormenores locais. A corografia do Reino do Algarve de Frei João é uma obra incontornável sobre o século XVI na região, inicia-se em Aljezur e termina em Alcoutim, com descrições detalhadas sobre as qualidades da região, origens e como se divide, produções agrícolas, pescas, as cidades e localidades…
Medida de valorização histórico-cultural da região, num momento em que se vão completando efemérides importantes para a História do Algarve e do País, seria a reedição da Corografia de Frei João de São José e a sua divulgação pelos estabelecimentos e alunos do ensino secundário algarvios.
(Artigo publicado no Caderno de Artes Cultura.Sul)
(CM)