A Pressão sobre as Cidades Algarvias: Que dinâmicas estão em curso
As nossas cidades algarvias, apesar de pequenas e de média dimensão, possuem um tecido urbano com caraterísticas históricas e patrimoniais excecionais. Tantas vezes tão pouco estudadas em termos urbanísticos, ou divulgadas nos seus aspetos de valor arquitetónico, que acabam por constituir uma surpresa para os interessados que por acaso passam por cá. Afinal, não somos só Praia e Sol, mas também temos um reportório de obras tanto de Arquitetura Manuelina, Barroca como Modernista. A aquisição de algumas destas obras por diversos particulares, por vezes mais pequenas em dimensão, neste período de retoma económica, é agora uma constante nas nossas cidades. É até salutar que tal aconteça, uma vez que permite que haja uma forma de revitalização dos núcleos históricos, e o Estado nunca conseguirá manter ou ter meios suficientes de realizar obras coercivas que possam garantir a segurança e estética dos nossos espaços, para não falar de outros aspetos estratégicos.
Assim, a classificação dos bens imóveis conforme a Lei do Património Cultural será um instrumento poderoso para definir o que é fundamental preservar, mas que tem sido insuficientemente utilizado. Verifica-se assim uma forte vulnerabilidade do nosso património arquitetónico e de conjunto face à atual conjuntura económica com uma ténue linha de crescimento, mas cuja atenção hoje, se foca nas áreas de reabilitação urbana em vez das periferias como nos anos 80 e 90. As entidades responsáveis, tanto da Administração Local ou do Estado, possuem agora uma responsabilidade ímpar pelo momento que atravessamos, ou são ágeis e rápidas na formação de verdadeiras políticas de património, ou rapidamente são ultrapassadas porque a dinâmica empresarial carateriza-se por grande racionalidade, inteligência e rapidez.
Para além da classificação dos imóveis notáveis, é fundamental, a realização de planos de hierarquia inferior ao PDM, como Planos de Salvaguarda, que conseguissem definir com mais rigor a estratégia e intervenção nas nossas cidades. Salvo raras exceções, na generalidade, com as revisões do PDM no Algarve tenta-se resolver tudo, o grande e o pequeno pormenor, sem a escala apropriada que seria importante estudar. Parece ser a única alternativa face ao nosso longo atraso de planeamento, e a única grande oportunidade que nos está agora a ser dada a nível municipal, mas a consciência das limitações do instrumento em que se está a trabalhar deverá existir.
Reabilitação: um desafio exigente
A Reabilitação tem sido apontada como a área estratégica fundamental ao correto desenvolvimento das nossas cidades, sendo justificada pelos mais variados fatores. Desde logo, é importante porque envolve uma redução de CO2, contribuindo para a sustentabilidade ambiental no aproveitamento de materiais e na capacidade de reaproveitamento de estruturas e de solo urbano; por razões culturais, pela preservação da nossa memória coletiva, e ainda como pelo setor económico, criando negócios, e estimulando o emprego.
As áreas de reabilitação urbana foram criadas na generalidade dos nossos centros históricos com este propósito, de as estimular, concebendo uma estratégia para estas áreas, com atribuição de benefícios fiscais e isenções de taxas, para além de alguns investimentos nos espaços públicos. Neste caso, o aumento acentuado do Turismo e do alojamento local também contribuíram para o crescimento das intervenções nestas áreas, tendo concretizado, nalguns casos, recuperações de edifícios devolutos de forma bastante significativa.
Porém, existem várias debilidades que são importantes ter em conta: o enfraquecimento dos espaços comerciais, nas Baixas, que sentem a competição das grandes superfícies comerciais de caráter regional, as áreas de circulação e estacionamento que são normalmente condicionadas e reduzidas, sem que possamos usufruir de alternativas flexíveis e modernas de transporte público, e ainda a legislação do arrendamento urbano, que tem criado constrangimentos a uma verdadeira política de habitação.
De uma forma simplificada, a reabilitação está também muito ligada ao Turismo e poder-se-á dizer que é benéfico em certa medida, mas não poderá ser somente isso, pela dependência que cria e também pela ausência da vivência nos bairros que tanto se deseja.
A Reabilitação é assim uma adolescente, que vai criando experiência de diversa ordem, mas que está carenciado de algumas regras, e essas estão ainda uma pouco dispersas e sem grande orientação. Considerando ainda que grande parte das obras de conservação ou de intervenção no interior dos edifícios está isenta de controlo prévio, fica um pouco ao livre arbítrio do proprietário e do técnico que possa ou não assessorar, respeitar as boas práticas da construção, conseguir intervir numa ótica de respeito pelo passado, e ainda com o sentido daquilo que vale a pena recuperar ou não. A exigência técnica é elevadíssima e o custo de construção sobe se existirem as preocupações atrás mencionadas. Para além de que as nossas escolas e universidades, mesmo as de engenharia, só recentemente despertaram para a formação de técnicos nestas áreas.
Reabilitar ou Adulterar
Os imóveis notáveis são facilmente reconhecíveis em termos patrimoniais e poderão ou não ser alvo de classificação, porém, no casario, ou nos edificados de conjunto dos centros históricos, a reabilitação pode tornar-se muito facilmente numa adulteração. As questões de valor são aqui difíceis de apreciar, sendo que uma porta ou uma janela de madeira, por exemplo, são por vezes elementos dignos de preservação.
Elementos arquitetónicos simples, mas caraterizadores da nossa paisagem urbana, como telhados em tesouro, coberturas com telhas de canudo e paredes caiadas de branco, tornam-se facilmente objeto de alteração ou de substituição por sistemas tecnicamente mais duradouros, mas que nem sempre se adaptam ao edifício em causa. O promotor pretende normalmente atingir um objetivo económico, associado a um conceito de qualidade que poderá ser mais abrangente, porém, se for bem justificado pelos técnicos que o possam acompanhar, o ganho na preservação sobressai.
A utilização do espaço público pela população das nossas cidades, com elementos mais vernaculares, como as mantas para o ensombramento das ruas em Loulé, produz um espaço belo e confortável, sendo que não é necessário dinheiro ou investimentos avultados para que tal aconteça. Se entendermos os nossos usos e a nossa arquitetura vernacular, como bens a respeitar, a Reabilitação acontece naturalmente.
A intervenção na Reabilitação deverá ser discreta e pouco afirmativa da personalidade de um arquiteto. Porém, o belo acaba por sobressair na sua humildade.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de Março)