A Festa dos Anos de Álvaro de Campos é um projeto da Associação Partilha Alternativa que, em conjunto com várias associações artísticas, artistas individuais e empresários tavirenses, pretende reviver a obra de Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pessoa.
Tela Leão, presidente da Associação Partilha Alternativa, disse ao POSTAL que “nós nos propusemos desenvolver esta festa alargada a toda a cidade para celebrar Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pessoa, nascido em Tavira a 15 de outubro de 1890. Este aniversário sempre foi celebrado pela Casa Álvaro de Campos, associação cultural que já tem mais de 30 anos e pela Armação do Artista, associação teatral criada em 2006, que todos os anos encena um poema para comemorar a data”.
Tela Leão recorda que, em 2014, organizou “a vinda de artistas brasileiros a Tavira: um poeta e um músico que trouxeram de presente a Tavira uma nova cancão para um poema de Álvaro de Campos”.
No ano seguinte comemoravam-se os 125 anos do poeta.“Foi então que decidi fazer uma proposta e convidar mais artistas e escolas a participarem nesta Festa”, conta.
Artistas tavirenses têm contribuído muito na criação artística
Em 2016 e 2017 o projeto teve o apoio do 365 Algarve. Tela Leão considera que “a criação local é o grande retorno deste tipo de investimento. Esta é uma obra transversal que abrange vários estilos, disciplinas e géneros artísticos”.
Em 2015 já surgiram criações de artistas de Tavira, como é o caso de “Amor e Medo”, uma performance poético-musical com roteiro de Tela Leão, onde a poesia de Álvaro de Campos foi musicada com temas originais de Luís Conceição e do grupo musical liderado pela atriz/cantora Sara Ribeiro (Los Negros).
Foram criadas ainda “Uma Valsa para Álvaro de Campos”, do pianista Marcelo Montes, e “Invocação: A Festa dos meus anos”, de Vítor Correia.
Em 2016 nasceram os projetos: “Filhos do Fogo de Deus”, performance com Mário Spencer e Thomas Bakk, a “Tabacaria Por gentes de Tavira”, um filme de Miguel Andrade e Vítor Correia, e a “Sinfonia Pessoana”, criação da Banda Musical de Tavira e da Armação do Artista.
“Álvaro de Campos A_live” foi uma criação conjunta das bailarinas Ana Borges e Yuko Kominami, com música original de Stelmo Barbosa e Tomás Tello. O grupo Poetas Cantados de AnaPi e Stelmo Barbosa formou-se ainda em 2016 para cantar “poetas numa festa para um poeta”.
Em 2017 “A Carta da Corcunda para o Serralheiro”, com Susana Nunes, ganhou um prólogo com marionetas criadas pelos bonecreiros, Argenis Nunes e Mericia Lucas. Criou-se a performance poético musical “Lopes Graça & Pessoa”, que teve a participação de José Nunes na guitarra e do ator Luís Luz e ainda a performance
“Un Soir a Lima”, interpretada pelo ator Renato Aires, com Marcelo Montes ao piano. “Pérolas do Gilão Cantam Fernando Pessoa” é uma criação desse grupo de música tradicional, que pertence a uma das mais antigas associações de Tavira, a Sociedade Orfeónica dos Amadores de Música e Teatro de Tavira. Os participantes fizeram uma pesquisa aprofundada das “Quadras ao Gosto Popular”, adaptaram-nas ao repertório de canções tradicionais que interpretam, mantendo sempre os refrões conhecidos e encontrando quadras adaptáveis a cada tema.
Nos últimos anos existem vários projetos em curso
Em 2018 e 2019 foi a vez de “Redundâncias”, uma proposta da associação Rock da Baixa-Mar, que passou a desafiar grupos de música, e músicos individuais a comporem com canções originais para poemas de Fernando Pessoa, incluindo Álvaro de Campos. O Fado Tropical, os Poetas Cantados, Helder e Cat Viegas e Pedro Antunes responderam ao desafio cada um com três novas canções.
“The Mad Fiddler” é um projeto do Clube de Tavira, Partilha Alternativa e Academia de Música de Tavira. O pianista e compositor Luís Conceição começou a musicar a série de poemas com esse título que Fernando Pessoa escreveu originalmente em inglês. São poemas que contam longas histórias, numa tradição dos bardos, e que inspiram músicas com características celtas, cantadas pela voz da irlandesa Jane Hennessy.
Yuko Kominamy e Tomás Tello, ela bailarina contemporânea especializada em dança butoh, ele especializado em música experimental eletrónica, criaram novas performances como “árvores, pedras, montes, bailam parados dentro de mim”, apresentada este ano na Casa Álvaro de Campos, e “Dançar Poesia”, que apresentaram em 2018 no Jardim da Igreja de São Francisco, ambas inspiradas em versos de Álvaro de Campos.
Este ano foi criado ainda o projeto “Whisky Galore”, uma produção da Partilha Alternativa com a colaboração da Casa Álvaro de Campos, roteiro e encenação de Tela Leão, com os poetas escoceses Christine De Luca e Christie Williamson e os poetas portugueses Vítor Cardeira e Pedro Jubilot, e Marcelo Montes, que interpretou ao piano compositores escoceses e portugueses, incluindo Ruy Coelho, um participante do Grupo D’Orpheu.
A “Concubina Japonesa”, um trabalho em andamento, foi outra das criações originais deste ano produzida pela Partilha Alternativa.
Esta criação coletiva partiu de uma ideia original de Kunihio Matsuo e Rie Goto, com a intermediação de Yuko Kominami e Tomás Tello, e foi desenvolvida por Isabel Macieira e Tela Leão. O pressuposto é que o “pai” de Álvaro de Campos, diplomata de carreira, teria vivido muitos anos no Japão, onde teve uma concubina japonesa que deu a Álvaro um meio-irmão. Esta chamada “fantasia plausível” desvendou este ano alguns indícios deste pressuposto e convidou o público assistente a colaborar na “investigação”, que continuará no próximo ano.
Os fadistas da associação Fado com História também têm participado sempre neste projeto através da interpretação de um repertório existente de fados sobre poemas de Pessoa e prometem criar novos fados.
Programas como Música nas Igrejas e Poemus também participam com as suas propostas.
Há vários trabalhos no âmbito das artes visuais
No que diz respeito às artes visuais, muitos são os artistas locais que têm participado na Festa, criando imagens através de várias técnicas, inspirados em poemas ou citações de Pessoa: Carlos Fonseca Martins, na Galeria Tavira D’Artes com as exposições “Pessoas de Pessoa” e “Personae”, participa desde 2016.
Isabel Macieira e Matthijs Warner com “In Citações”, onde cada um dos artistas fez a sua própria escolha de citações do poeta para as interpretar visualmente. Matthijs também se deixou inspirar por Álvaro de Campos para publicar o livro ilustrado “People / Pessoas”. Kinga Subicka criou imagens para “Sonhos Incompletos” e “Imagens Revisitadas”. A Galeria Artesis lançou um repto a artistas locais para a montagem de uma coletiva inspirada no poema “Às Vezes tenho Ideias Felizes”. Vinte e um artistas aceitaram o desafio e deram as suas interpretações visuais ao poema.
O fotógrafo Miguel Proença participou com “Campos Obscuros”. Os fotógrafos da Associação A_NAFA aceitaram este ano o desafio de ilustrarem com fotografias os artigos do evento “UM MÊS DE POESIA”, que conta com a colaboração do Postal do Algarve, sendo as imagens também expostas na sede da associação sob o título: “Imagens Pessoanas”.
O Museu de Fotografia Casa Andrade também já participa há dois anos, ilustrando com fotos do seu acervo o poema “Notas sobre Tavira”.
A Rádio Gilão, o Arquivo Municipal de Tavira e a Biblioteca Municipal de Tavira e vários empresários locais também têm sido parceiros e participado com projetos próprios na Festa dos Anos de Álvaro de Campos.
Tela Leão, criadora e responsável pela Festa dos Anos de Álvaro de Campos, conclui dizendo que “a Festa tem servido como um laboratório, onde aos poucos se vai criando um repertório Pessoano tavirense. Entretanto, Álvaro de Campos tem sido um pretexto para o ato criativo”.
Como personagem “ele é um excelente pretexto graças aos seus sentimentos diversos, à sua humanidade cheia de imperfeições, com a qual tantos de nós nos identificamos. É importante notar que a arte não tem a ver apenas com observar o que fazem outras pessoas, mas com fazermos algo também. Quando as pessoas criam acabam por descobrir um pouco mais sobre elas mesmas, sobre o facto de não viverem em isolamento. O ato criativo leva à coesão social. É isso que a Festa tem feito nesta comunidade e é por isso que acho que vale à pena continuarmos a procurar apoios para a realizar”.
(Stefanie Palma / Henrique Dias Freire)