Nascido em Washington em 1977, este autor é uma das jovens vozes proeminentes da literatura norte-americana. Extremamente Alto e Incrivelmente Perto (2012) foi um sucesso inclusivamente adaptado ao cinema, apesar de abordar um tema delicado, pois trata de uma criança cujo pai foi vítima do 11 de Setembro. Sem querer entrar em comparações e superlativações, podem encontrar-se ecos na sua escrita de Jonathan Franzen e de um Philip Roth mais jovem. Neste Aqui Estou, o autor regressa à questão do judaísmo, como aconteceu em Está Tudo Iluminado, o seu primeiro romance, escrito aos 24 anos.
O título Aqui Estou é enganosamente simples, como a certa altura se explica, em referência ao episódio bíblico de Abraão. Quando Deus testa Abraão e o chama, este responde: «Aqui estou.»
«A maior parte das pessoas pensa que o teste é aquilo que se segue: Deus a pedir a Abraão que sacrifique o filho, Isaac. Mas acho que também podemos fazer a leitura de que o teste aconteceu quando Deus o chamou. Abraão não disse: «O que queres?» Não disse: «Sim?» Respondeu com uma afirmação: «Aqui estou.» Seja o que for que Deus queira ou precise, Abraão está inteiramente presente para ele, sem condições ou reservas ou necessidade de explicação. » (p. 134)
É um livro cujo tamanho pode assustar mas que se lê com leveza e divertimento, escrito com sensibilidade, ironia e humor. Por vezes uma crítica corrosiva ao modo de vida americano: «os Chineses são suficientemente espertos para saber que os Americanos são suficientemente estúpidos para comprar seja o que for» (p. 246).
Tragicomédia moderna, assente em parte numa revisão da cultura judaica ou de como se pode continuar a ser judeu nos dias que correm, numa América ela própria desamparada em termos de identidade, mesmo que não se entre em críticas directas a Trump – apenas surge a referência a um «presidente saloio de cabeça gigante» (p. 256).
Jacob é um escritor frustrado, resignado a escrever o guião de uma qualquer série de sucesso com dragões, seguida por quatro milhões de pessoas, e Julia, uma arquitecta que nunca viu um edifício desenhado por si construído, quarenta e três anos e uma mãe de sucesso, com três filhos, aliás, quatro, contando com o marido. Até que após quase vinte anos de vida em conjunto tudo é posto em causa por causa de umas mensagens pornográficas encontradas num telemóvel que surge no chão da casa de banho, onde um marido hipocondríaco e aparentemente recalcado se refugia todas as noites para enfiar supositórios.
Os diálogos de família são absolutamente caóticos, o que só retrata como tantas vezes a vida em família é feita de conversas cruzadas, em que todos falam em simultâneo e as falas encadeiam-se umas nas outras, e de desentendimentos que nos aproximam.
Este é também um livro sobre uma crise de fé no casamento, pois a resposta «Aqui Estou» pode ser igualmente aplicada a uma relação conjugal que é constantemente posta à prova e ainda assim encontra forma de sobreviver, perante a rotina, a apatia, a insegurança de cada um, ou a traição, quando, subitamente, um casamento pode tornar-se uma guerra civil:
«Ao décimo dia, Jacob abriu a porta da casa de banho e viu Julia a secar- -se depois de ter tomado duche. Ela cobriu-se. Ele já a tinha visto sair de centenas de banhos, já tinha visto três bebés saírem do corpo dela. Tinha-a visto despir-se e vestir-se milhares e milhares de vezes (…). Tinham feito amor em todas as posições, com todas as partes do corpo vistas de todas as perspectivas possíveis.
– Desculpa – disse ele, sem saber a que se referia a palavra, sabendo apenas que o seu pé carregara ao de leve na espoleta de uma mina.» (pág. 168).
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de Julho)