Falar em alegria em tempo de pandemia pode parecer um contra-senso, mas não é! A tristeza enfraquece o nosso sistema imunitário. Conservar o bom humor é extraordinariamente importante para manter a saúde física e psíquica.
A psico–neuro-endócrino–imunologia é uma ciência que estuda as interacções entre o comportamento e os sistemas nervoso, endócrino e imunológico. Em 1987 um conjunto de investigadores, Stone A., Cox D., Valdimarsdottir e outros publicaram um artigo revolucionário intitulado “Evidence that secretory IgA antibody is associated with daily mood”, com o resultado de estudos científicos que comprovam que o humor positivo está associado a um melhor funcionamento imunitário –medido pela secreção da imunoglubina A–e, vice versa, que o humor negativo está associado a um pior funcionamento.
O nosso corpo tem uma espécie de exército de defesa natural ―os linfócitos T ―que são originados na medula óssea. Partem depois em direcção ao timo,onde sofrem um processo de maturação,diferenciando-se nas seguintes células guerreiras: T-helper, muito importantes para a produção de anti-corpos; T-supressores,que finalizam a constituição desses mesmosanti-corpos; e T-naturalkiller, quedesenvolvem uma actividade citotóxica. São células exterminadoras: combatem infecções virais e atacam as células tumorais. Estudos científicos provam que nos estados depressivos a produção de células T diminui. Portanto, toca a investir no bom humor para manter um sistema imunitário valente!
Talvez o leitor se pergunte como é que é possível manter o bom humor com o actual estado de coisas. Fecharam as escolas, as fábricas, as lojas, os centros comerciais, os restaurantes, os cafés, as fronteiras. Cancelaram-se os concertos, os espectáculos e os bailaricos. Os aviões não levantam voo e os carros permanecem estacionados. De repente,abrem apenas os serviços essenciais e aprendemos, por fim, a destrinçar o indispensável do supérfluo.
Por todo o lado, comunicação social, redes sociais, familiares e amigos, todos nos falam deste perigo invisível, um dito “corona vírus” que pode estar em qualquer lado, nas superfícies plásticas ou metálicas, nas roupas, nos perdigotos! Resínfima de grande capacidade contagiante, mutante e mortífera! Mesmo os mais cépticos têm de se render à evidência de que algo de muito sério se passa quando um ringue de patinagem se transforma em morgue, quando abrem hospitais de campanha um pouco por todo o lado, quando a escassez de meios obriga os profissionais de saúde a escolher quem tem maiores probabilidades de viver. Devido aos níveis de disseminação atingidos, a Organização Mundial de Saúde declarou no passado mês de Março o estado de pandemia. A origem etimológica da palavra elucida: do grego pan ―tudo ou todos―e demos― povo. De supetão recebemos todos, sem excepção, uma ordem inaudita: fique em casa! E suprimimos os convívios, abstemo-nos do contacto físico e lavamos as mãos freneticamente. É a chamada quarentena: reclusão de indivíduos sadios durante operíodo de incubação da doença, contado a partir da data do último contacto com um caso clínico ou portador, ou da data em que esse indivíduo sadio abandonou o local em que se encontrava a fonte de infecção.
A palavra surge em Veneza na época medieval, quando para conter o surto da peste negra, se passou a exigir aos navios um isolamento de quarenta dias, antes de lhes ser permitido atracar nos portos a que arribavam. Porquê 40 dias ninguém sabe ao certo… Quarenta dias tem também a quaresma, que sucede aos excessos do carnaval e antecede as celebrações pascais. A quaresma de 2020 iniciou a 26 de Fevereiro com a Quarta-feira de Cinzas e terminará no Domingo de Ramos a 5 de Abril. À imagem de Cristo, que passou 40 dias em jejum no deserto e que sofreu até ao dia da crucificação, os cristãos fazem uma pequena penitência durante 40 dias onde praticam algumas restrições. Esta quarentena, coloca-nos a todos, católicos e não católicos, de quaresma! Simplesmente não sabemos se durará “apenas” quarenta dias! Gregos e Troianos declararam tréguas para os rituais fúnebres de Heitor, filho de Príamo. Que bom seria o armistício, ou melhor ainda, a rendição do corona vírus em pleno domingo de Páscoa! Porém, temos de estar preparados para que não seja assim.
Já vimos que não podemos entristecer porque isso diminui a capacidade imunitária. Também não podemos engordar porque criamos mais problemas de saúde! Ao ficar em casa tanto tempo,o frigorífico torna-se uma grande tentação! Mais ainda,o armário das gulodices recheado de chocolates, bolachas, pipocas e batatas fritas! A grande e sedutora televisão, oferece filmes e séries sem fim! Presos em casa sem horários,nem rotinas, estão criadas as condições perfeitas para nos transformarmos num cauch potato―literalmente uma “batata–sofá”, expressão anglo-saxónica para designar uma pessoa preguiçosa que passa o tempo todo a comer em frente à televisão.
Que podemos fazer então? O exercício físico é uma óptima opção. Se praticado com alguma intensidade e regularidade,tem benefícios a ambos níveis: mantém-nos fisicamente em forma e produz endorfinas, conhecidas como as hormonas da felicidade. Existem muitas aplicações e vídeos na internet com rotinas fáceis de seguir em casa. Aqui fica uma sugestão da minha prática diária que se pode realizar num espaço físico exíguo:
3 séries (ou mais) sem descanso e a toda a velocidade de: 50 agachamentos/ 30 tesouras/ 20 flexões; 3 Saudações ao sol ―Surya Namaskar―se treino de manhã; ou 3 saudações à lua ―Chandra Namaskar ―se treino ao fim do dia.
Estas sequências de asanasde yoga podem ser praticadas nas suas versões mais simples para principiantes, ou incluir variações mais arrojadas,se já se tem mais experiência. Para terminar, pode alongar um bocadinho e seguidamente relaxar em savasana: deite-se num tapete no chão, de barriga para cima, com os braços ao longo do corpo e as palmas das mãos também viradas para cima. Coloque um cobertor por cima, para não arrefecer, e uma almofadinha de olhos ou um lenço, para reduzir a luminosidade e deixar que também os olhos cedam ao peso da gravidade, entregando todo o peso do corpo à mãe–terra. Permaneça assim pelo menos 5 minutos. Realizar uma prática de meditação sentada após o relaxamento é também muito benéfico.
É evidente que temos de ser responsáveis e de nos manter informados;contudo, o contínuo bombardeamento de notícias calamitosas pode ter muito más consequências. Aqui ficam alguns truques para preservar a sua saúde psíquica: reduza o tempo de informação das notícias a uma vez por dia,utilizando fontes fidedignas; saia do circuito do “lixo corona” das redes sociais; enquanto lava as mãos, com a frequência e o tempo recomendados, aproveite para enumerar e agradecer mentalmente por todas as coisas boas; quando o telemóvel tocar, não atenda imediatamente, utilize esse som para se lembrar de respirar profundamente 3 vezes e… agradeça! Está vivo!
Talvez tenha chegado o tempo do ócio criativo e dos prazeres serenos: ler, escrever, desenhar, tocar um instrumento musical ou, simplesmente, contemplar… o azul do céu, o desabrochar das flores, as feições de um ente querido. Em resumo: não desperdice nem um bocadinho o lado bom desta quarentena!
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de abril)