Por muito que digamos que não vamos falar ou escrever sobre a Covid-19, e toda a problemática e questões relacionadas, a realidade é que acabamos por não conseguir, pois esta pandemia não só definiu os três últimos meses mais sui generisque vivemos, como irá marcar seguramente todo o ano de 2020. E não foi só o confinamento forçado e todas as demais restrições associadas, foi também a forma como passamos a viver e como iremos incorporar algumas dessas mudanças no nosso quotidiano agora reinventado.
Na vertente da fotografia os impactos foram fortes. Quem teve essencialmente trabalho ou atividade foram os repórteres fotográficos, aqueles que, digamos, puderam estar na frente de combate ao vírus e onde, apesar de expostos, acabaram por ter uma guerra branda com poucas ou nenhumas baixas (e até contágios) entre os fotógrafos, e a restante Comunicação Social.
Para as restantes áreas fotográficas, tudo ficou em suspenso. Os fotógrafos urbanos, tinham as ruas, mas sem vida e sem a verve que a agitação das metrópoles exibe, e que a torna sedutora para o registo dos instantâneos de rua. Os fotógrafos de viagens, ficaram ainda piores, pois se as deslocações no bairro eram limitadas, ainda mais entre países e continentes. Os fotógrafos de eventos, espetáculos, casamentos e outras reuniões familiares ou empresariais, ficaram com a agenda cancelada por completo, e os fotógrafos de cariz mais comercial – como quem diz – os que trabalham com as empresas e marcas, seja na fotografia de produto, de moda, ou corporativa, também não escaparam, pois a comunicação que não foi cancelada perdeu muita criatividade e dinâmica centrando-se apenas no essencial do combate ao vírus.
Neste campo houve algumas iniciativas com imaginação e criativas, sem dúvida, só que elas puseram de parte os fotógrafos e centraram-se em ter o próprio staff das empresas a produzir os conteúdos a partir de casa. Assistimos ao boom das plataformas de videoconferência, dos webinares e dos diretos feitos nos escritórios improvisados nas salas de jantar ou nos quartos. Grandes marcas internacionais como a Gucci, usaram o feito-em-casa ao extremo, tendo realizado as fotografias da próxima coleção Outono/Inverno pela primeira vez, sem a intervenção de qualquer fotógrafo(a), maquilhador(a) ou estilista, tendo sido inteiramente produzidas e realizadas pelos modelos, que são também os intervenientes. São quase uma espécie de autorretratos do seu quotidiano, ligeiramente orientados pelo diretor criativo Alessandro Michele, que confessou, numa entrevista online, ter dado espaço para a criatividade de forma a que os modelos fossem os diretores deles próprios.
Creio que o olhar, a criatividade e o talento do fotógrafo ainda fazem e farão a diferença, mas a nova imagem do desconfinamento passou a ser registada de modo mais individual, simplista, económico e imediato. Isto não era propriamente novidade, a sua aceitação generalizada (desde a produção ao consumo) é que foi muito acelerada devido aos acontecimentos.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de junho)