Nos anos 90 do século passado, final do segundo milénio, as políticas públicas para a cultura em Portugal registaram avanços, que foram no sentido de projectar o País no processo de internacionalização e sobretudo de “europeização”, após cinco séculos de expansão marítima e colonizações.
Nesta estratégia, que deverá ser analisada com objectividade informativa e estatística, ocorreram iniciativas marcantes: a Europália 91 na Bélgica onde Portugal foi o País-tema, a Exposição Universal de Sevilha em 1992 com pavilhão próprio e grande número de iniciativas portuguesas, Lisboa 94 – Capital Europeia da Cultura, a Feira do Livro de Frankfurt de 1997 com a literatura portuguesa como tema central e a Expo 98, o grande acontecimento cultural do final do milénio que transformou física, económica e socialmente a zona oriental de Lisboa.
No plano político a década de 90 foi marcada por dois projectos, os governos de centro-direita de Cavaco Silva até 2005 e de centro-esquerda de António Guterres na segunda metade. Este reinstituiu o Ministério da Cultura com vários Institutos associados, deu continuidade a preocupações de descentralização cultural cujos resultados eram verificáveis na utilidade da rede de leitura pública. Tentou alargar-se esta experiencia a museus e cineteatros com a criação de Centros Regionais das Artes do Espectáculo/CRAE(s) em Viseu e Évora.
De referir neste âmbito estratégico a criação em 1992 do Instituto Camões, definido como pessoa colectiva de direito público, com autonomia administrativa e patrimonial. Ficou sob tutela do Ministério dos Negócios Estrangeiros na orientação da política cultural externa.
A principal vantagem da internacionalização no plano da gestão dos recursos culturais nacionais foi a passagem de um sistema organizativo semiamador e voluntarista para a concretização de objectivos definidos no tempo, planeamento faseado e criação de equipa profissionalizadas, publicas e privadas.
Importa referir que estas iniciativas no campo cultural corresponderam a sinergias diversas de afirmação política, mas também urbanísticas, tecnológicas, comerciais, mediáticas e de consumo, com o alargamento dos mercados e “criação de novos públicos”.
As indústrias culturais, definidas como industrias que integram o trabalho cultural e artístico no produto transacionado, participaram nas estratégias para afirmação cultura-espectáculo. Do ponto de vista laboral estas I.C. privilegiaram a precariedade e a sazonalidade, surgiram profissões “independentes” com formas de dependência e de assalariamento menos visíveis.
Do ponto de vista ideológico procurava-se afirmar Portugal como “País Europeu”, moderno, aberto ao mundo, participante ativo nos desígnios da globalização, ao mesmo tempo que se ia construindo a “Marca Portugal ” para um turismo massificado. Algumas expressões artísticas nacionais surgiam como exportáveis, como o fado e alguma arte contemporânea.
O grande acontecimento cultural da década foi a Expo-98, de Lisboa.
Esta Expo dedicada aos Oceanos, inseriu-se no conjunto de exposições universais iniciadas na segunda metade do século XIX, em Londres e Paris, com evidentes propósitos estratégicos de afirmação de uma “modernidade industrial” e anúncio da “nova era” acompanhada de movimentos artísticos modernistas na arquitectura e nas artes.
Se do ponto de vista da identidade nacional se procurou na Expo-98 celebrar os 500 anos da chegada da armada de Vasco da Gama à Índia em 1498, foi igualmente introduzido um olhar para a problemática dos oceanos, nomeadamente a necessidade da gestão internacionalmente partilhada e sustentável dos recursos marinhos.
A Expo recebeu 11 milhões de visitantes, 82% nacionais e 18% de estrangeiros, destes quase metade provenientes de Espanha. Portugal no extremo ocidental da Europa mostrava o seu posicionamento periférico, com menor facilidade de acessos internacionais resultante de uma única fronteira terrestre com um único País e uma extensa frente litoral atlântica.
A requalificação da zona oriental de Lisboa foi a maior intervenção urbanística desde o terramoto de 1755 com mais de 300 hectares, foram construídas a segunda ponte para travessia do Tejo, a ponte Vasco da Gama, o Oceanário, pavilhão Atlântico, pavilhão da Ciência, gare do Oriente,..
Aspecto relevante surgido na década de 90 foi o papel do Poder Local na democratização cultural do País, contrariando as tradicionais macrocefalias de Lisboa e Porto, surgiram em muitas cidades e vilas equipamentos culturais, construídos de raiz ou a partir da reabilitação de edifícios antigos, foram criados serviços municipais e milhares de empregos permanentes em bibliotecas, arquivos, museus, teatros, centros de ciência, estações arqueológicas,…
Depois do Estado Novo, da Revolução de Abril, foram os anos de estruturação de políticas publicas para a cultura, da emergência das indústrias culturais e do mercado das artes.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de julho)