Em Agosto de 2017 foi publicada no Jornal Postal do Algarve uma das crónicas que mais gostei de escrever: http://www.postal.pt/2017/08/ nova-cultura-da-agua-da-vida-experiencia- fluviofeliz/
Embora o nome desta rubrica mensal seja “marca d’água”, escrevi ao longo de dois anos temáticas que não referiram a água (excepto a do link acima apresentado), mas que foram a minha “marca d’água” no sentido de terem o cunho do meu sentir e da minha reflexão.
Volto então à temática da água, referindo diferentes dimensões e procurando dar a frescura que se espera numa crónica de um quente mês de Agosto!
Quando há dois anos escrevi sobre a Fundação Nova Cultura da Água salientando esse novo olhar sobre a água, em especial sobre os rios, referi a Nova Cultura da Água, entendida como uma mudança de paradigma para a sustentabilidade ambiental, económica, social e cultural.
Tenho acompanhado a Fundação e as suas iniciativas e verificado que a proposta de uma Nova Cultura da Água tem dado alguns passos e influenciado outros movimentos. Para além da preocupação com a sustentabilidade procuram a defesa do sentido patrimonial e público da água e a responsabilização pelo seu uso.
A água contém propriedades que nenhum outro elemento possui, o que lhe permite simultaneamente ser um componente essencial às actividades humanas e ambientais, uma vez que permite a sobrevivência humana, dando dignidade à vida das pessoas através da higiene e do saneamento básico. A água enquanto elemento principal da vida está presente no dia-a-dia de cada um de nós, desde o banho até ao saciar a sede.
É um dos elementos da natureza com maior presença simbólica em rituais e cerimónias e de extrema importância em todas as religiões.
A Bíblia e literatura cristã usam o simbolismo da água para exprimir realidades importantes da vida espiritual.
Elogio da Sede
E porque o Verão também é tempo de leituras, recomendo a refrescante leitura do Elogio da Sede de José Tolentino Mendonça.
Um livro de enorme riqueza espiritual, que pelos caminhos da prosa e da poesia nos faz descobrir muitas sedes em nós.
O simples gesto de dar ou receber um copo de água é mais do que um gesto banal. Diz o autor que “esse gesto dialoga com dimensões profundas da existência, porque vai ao encontro daquela sede que está presente em todo o ser humano, que é sede de relação, de aceitação e de amor”.
Neste livro, que em cada página é um gole de inspiração, vejo uma ligação com o paradigma da Nova Cultura da Água porque há uma visão holística do ser humano como um todo físico e espiritual.
O Padre Tolentino Mendonça para além de nos falar de uma ciência da sede lança algumas questões pertinentes ao longo do livro: “O que é que a nossa sede nos ensina? Que fonte ela ilumina e esclarece? Será que fazemos da nossa sede uma escola de verdadeiro conhecimento, nosso e de Deus? Ou, pelo contrário, aceitamos viver à míngua de água, procurando mascarar uma sede que não escutamos?”
Com uma dimensão prática e espiritual continua a colocar questões que remetem para a dimensão mais profunda da vida: “Sentimo-nos nutridos pela memória ou secos pela velocidade de tudo? Sentimo-nos a caminhar devagarinho para uma fonte? Aqui, como em outros âmbitos da vida, a verdadeira conversão não consistirá em belas teorias, mas em decisões que resultem de uma tomada de consciência efetiva das nossas necessidades”.
A nossa conversão para além de íntima e pessoal, creio que nos tempos actuais terá de ser também uma conversão ecológica, consciente de que os nossos comportamentos afectam o todo e que somos também responsáveis pela crise ambiental e climática.
Para enfrentar esta crise, cada vez mais alarmante, é preciso mobilizar vontades e decisões, a começar por decisões pessoais e sustentáveis, diminuindo a nossa pegada ecológica porque está em causa o nosso futuro comum.
Há uma forte expectativa com a Cimeira do Clima que começa no próximo dia 23 de Setembro em Nova Iorque. António Guterres ao convocar a Cimeira referiu que o mundo está hoje “em sérios apuros com a alteração climática” e que esta é uma “questão de vida ou de morte”.
Que não seja apenas mais uma Cimeira e que não tardem novas medidas concretas com uma mais forte ética ambiental, porque, como diz o Papa Francisco, se tardar mais, é tarde demais!
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de agosto)
(CM)