“Ainda agora comecei e já estão nisto”, gracejou André Ventura quando, do extremo oposto do Campo de São Mamede, em Guimarães, cerca de meia centena de manifestantes gritava “fascista”. Com o castelo em fundo, o candidato presidencial e líder do Chega tinha cerca de duas centenas de apoiantes a gritar o seu nome, abafando o protesto. No “berço da nossa nação”, Ventura disse que a sua candidatura representa “a alvorada, o renascer que Portugal precisa”. “Desta escuridão nascerá a luz de um novo país, capaz de se olhar ao espelho, de se ver com dignidade, de voltar a olhar para este castelo e dizer que se orgulha de ser português”, proclamou.
Este domingo foi descrito como um dia “especialmente importante” por estarem ali “bem perto de algo, de uma palavra: reconquista”. Essa reconquista iniciou-se “hoje com o voto de milhares de portugueses”, garantiu, referindo-se ao voto antecipado, e será concluída “no próximo dia 24 com um enorme sucesso político”. Ventura vê uma “mobilização gigante em todo o país”. “E não, não estou a considerar os gritos histéricos à nossa volta”, disse, a gritar.
“Enquanto outros perdem tempo a cantar ‘Grândolas’ e a dizer disparates à volta dos nossos comícios, nós não nos esquecemos de que o nosso foco é Portugal. Se não gostam, emigrem para Cuba ou para a Venezuela e vejam como se vive lá”, sugeriu. E insistiu na necessidade de “uma nova reconquista”, considerando o castelo “o símbolo do caminho” que irão fazer até ao próximo domingo.
[Fotos José Fernandes]
O HOMEM PROVIDENCIAL, “O JESUS DA GALILEIA”
O candidato afirmou que ele e os seus apoiantes tinham nas mãos “uma oportunidade que muitos dos nossos antepassados queriam ter tido, de derrotar este sistema corrupto e inadequado”. “E foi a nós que a Providência permitiu transformar este movimento numa oportunidade de transformar Portugal”, disse. Não foi a primeira vez que Ventura ‘olhou’ para o céu nesta campanha nem neste dia: “Eu costumo dizer que é um milagre o que este movimento conseguiu. Em dois anos, conseguimos levantar um país, alterar para sempre o Parlamento”.
A esse feito atribuiu “a força de um povo que se levantou para dizer ‘Chega!’” e à “força dos genes que temos, do espírito de Portugal que nos percorre”. “Deste castelo ecoa a voz que nos diz: ‘não desistam’ e perante este castelo eu me ajoelho em memória de Portugal”, rematou. Não se ajoelhou, era só mesmo em sentido figurado. Ainda no púlpito e a despedir-se, ainda ouviu um militante a entoar uma canção que comparava Ventura com “o Jesus da Galileia”.
Ao desmobilizarem, os seus apoiantes dirigiram palavras nada católicas aos manifestantes, mantidos à distância por um contingente de várias dezenas de elementos da PSP, a pé, em carros e em motos de patrulha.
DE “COMUNISTA ALIADO” A ELEITOR DE VENTURA
José Costeado, médico veterinário de 65 anos, apoia o candidato do Chega por causa do que apelidou de “democracia falsa”. “Estamos a partir para uma ditadura mais agravada do que a que tínhamos”, diz ao Expresso. Antes do 25 de Abril, “era comunista aliado” mas, quando viu o que designa por “fantochada da democracia”, passou a votar “sempre entre o PSD e o CDS” e “algumas vezes” simplesmente não votou. Nestas eleições votará pela primeira vez em Ventura, dizendo que o candidato tem só na sua família 60 votos garantidos.
José Costeado e Rosália Silva [Foto José Fernandes]
A sua mulher, Rosália Silva, gostaria de ver “uma política direcionada para o cidadão, para o povo e não uma política voltada para os seus próprios interesses”. A modelista de 50 anos acredita que o líder do Chega é o rosto de uma política onde “as instituições de justiça, de saúde e outras olham para o cidadão” – afinal, “é para isso que elas existem”. O casal ainda não tem o cartão de militante mas diz que tenciona tratar disso em breve.
Questionado sobre o discurso mais agressivo do candidato, José Costeado afirma que “tem mesmo de ser assim, não pode ser com palavrinhas mansas”. “Os partidos são uma gamela muito grande e são sempre os porcos maiores que vão lá comer. Gosto muito do povo preto, gosto muito dos negros, adoro os ciganos. Têm culturas diferentes, nós é que temos de os trazer para a nossa civilização”, remata.
170 APOIANTES EM 450 METROS QUADRADOS E SEM VENTILAÇÃO
A encerrar o dia e a cerca de 30 quilómetros dali estava agendado um jantar-comício no restaurante “Solar do Paço”, em Tebosa, no concelho de Braga. Os jornalistas estiveram no salão de refeições até à chegada de Ventura, testemunhando a presença de cerca de 170 apoiantes em várias mesas redondas num espaço a rondar os 450 metros quadrados e sem ventilação. Em seguida, foram encaminhados para um outro salão no piso inferior.
O mandatário nacional e diretor de campanha, Rui Paulo Sousa, afirmou que o jantar estava a cumprir todas as normas, que as distâncias estavam a ser respeitadas e que a delegação de saúde estivera no local antes do jantar, tendo autorizado a sua realização. As fotografias tiradas pela imprensa mostram que o distanciamento não estava a ser respeitado.
[Fotos José Fernandes]
A Direção-Geral da Saúde (DGS) reportou este domingo 10.385 novos casos e 152 mortes associadas à covid-19. O país encontra-se em confinamento geral e há um dever de recolher obrigatório. Na véspera, o pior dia da pandemia em Portugal, Ventura foi questionado, à saída de uma ação de campanha, sobre a manutenção destes eventos. O candidato respondeu que “a Comissão Nacional de Eleições já se pronunciou sobre isso”, lembrando ainda o entendimento de que “já não era possível adiar as eleições”. “Portanto, das duas, uma: ou não há campanha absolutamente nenhuma ou ela tem de existir. Temos feito um esforço junto da DGS, com todas as regras cumpridas, de máscara, de separação. Mudámos completamente o modelo da campanha. Estamos a cumprir as regras todas”, insistiu no sábado.
Alguns apoiantes que este domingo iam saindo e entrando no salão insultaram e ameaçaram a comunicação social, chegando a haver contacto físico com operadores de câmara. Elementos do staff do restaurante também proferiram impropérios e fizeram ameaças. No final do jantar, as portas abriram-se novamente para os jornalistas, que foram recebidos com vaias. E com o cântico: “Pouco importa, pouco importa se eles falam bem ou mal. Queremos o André Ventura Presidente de Portugal”.
“ESTAMOS NO MEIO DE UMA LUTA ÉPICA”
Antes do líder do partido falou Rui Paulo Sousa: “Os nossos inimigos, os nossos adversários estão lá fora. Não estão todos lá fora, infelizmente. Alguns estão cá dentro”, acicatando ainda mais os ânimos. Quando o candidato usou da palavra, optou pela vitimização com toques de humor. “Se cai uma mosca na Indonésia, a culpa é do André Ventura. Se a economia não cresce, a culpa é do André Ventura. Até o serviço de saúde é culpa do André Ventura”. E novamente por uma postura de homem providencial: “Estamos no meio de uma luta épica em que enfrentamos sozinhos um sistema inteiro”. E desfiou várias críticas aos seus opositores políticos, começando por Ana Gomes. “Eu devia falar de Marcelo Rebelo de Sousa mas ninguém sabe onde ele está”, recuou, arrancando risos da plateia.
André Ventura reconheceu que “há dias difíceis no partido” mas chutou para a frente, atacando os adversários políticos, dizendo não se rever numa “direita fofinha” e recomendando a quem o ataca: “Vão dar lições para o raio que vos parta!”
Queixou-se de a militante socialista o ter comparado a Adolf Hitler. “Viram alguém indignar-se com isso? Viram algum comentador falar do que seria uma aberração em democracia, [que é] chamar a um opositor o líder do Partido Nazi alemão?”, perguntou. “Não venham dizer que nós é que baixámos o nível do debate porque quem nos chama assim, quem nos aponta o dedo de racistas e de radicais tem de estar preparado para tudo e não ir para casa chorar para a mãe quando nós os atacamos com propriedade”, advertiu.
Ventura também se referiu ao mais recente cartaz do candidato da Iniciativa Liberal, Tiago Mayan Gonçalves. “Honestamente parecia-me um anúncio publicitário a uma clínica qualquer”, disse, atacando o que designou por “direita fofinha”. “Desapareceu o CDS e apareceu a Iniciativa Liberal. Em breve será o PSD a fazer este tipo de cartazes também. Parece que estou a ver o Doutor Rui Rio com a cara num cartaz a dizer ‘Votem em mim, eu sou a direita social’, assim de lado, mas com o lápis na orelha”, descreveu. Não é nessa direita que se revê porque isso “é ser travesti de direita”, criticou, “é serem socialistas encapotados em partidos de direita”.
“HÁ DIAS EM QUE PENSAMOS QUE ESTÁ TUDO PERDIDO”
Acossado pelas notícias que foram surgindo durante o jantar-comício, referiu que “também devíamos falar de covid para toda a gente ficar contente”. “Portugal atingiu os piores números no quadro comparativo. Mas quando era nos EUA, a culpa era de Donald Trump. Quando era no Brasil, a culpa era do Bolsonaro. Mas cá não é do António Costa, é do povo português, que se porta mal. Isto não é duplicidade de critérios, é fraude, é fraude”, repetiu. E recomendou a quem o ataca: “Vão dar lições para o raio que vos parta!”.
Reconheceu igualmente que nem sempre os dias são luminosos. “Há dias difíceis no partido? Há. Há dias difíceis numa candidatura? Muitos. E muito dolorosos”, apontou. Estaria talvez a pensar na encenação da véspera, com o surgimento na sede de campanha de Portalegre de dois ciganos que diziam apoiá-lo, uma encenação da qual saiu visivelmente desconfortável. “Há dias em que pensamos que está tudo perdido mas nasce sempre a esperança no dia a seguir. Hoje a noite pode ser escura mas amanhã acordaremos numa nova manhã”, prometeu.
No seu discurso de mais de meia hora, Ventura nunca se demarcou das palavras e gestos hostis dirigidos aos jornalistas, incluindo por Rui Paulo Sousa, que é também membro da direção nacional do Chega. Um carro de reportagem da RTP acabaria com o limpa para-brisas traseiro partido. Esta segunda-feira a campanha arranca em Viana do Castelo.
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