Foi preciso esperar que um primeiro ministro aqui viesse declarar bombasticamente que o Algarve estava à beira da catástrofe, para se ganhar definitivamente a urgência em cuidar da galinha dos ovos de oiro
A tomada de posse do primeiro presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região do Algarve (CCDRA) faz agora quarenta anos. Veio substituir o então Gabinete de Planeamento do Algarve, com uma nova lei orgânica e respetivas atribuições e competências no domínio do planeamento e ordenamento do território para responder às oportunidade que se aguardavam da adesão de Portugal à CEE.
Por esse tempo, em 1980, o Algarve era uma região onde tudo estava por fazer ao nível da eletrificação, saneamento básico, vias de comunicação, telefones, centros de saúde, hospitais, barragens e abastecimento de água. Era marcadamente um mundo à parte.
Não existia uma sala de espetáculos para acolher uma orquestra sinfónica ou um grande congresso, não havia universidade nem conservatório e escolas secundárias apenas em alguns concelhos. Não havia sequer um piano de cauda quando a Maria João Pires ou o Sequeira Costa vinham ao Festival Internacional de Música do Algarve. A solução era pedir um de aluguer a um hotel ou encomendá-lo a Lisboa. E vale a pena lembrar que a estrada para a capital era um carreirinho que serpenteava pelas vilas e aldeias do interior serrano e da planície alentejana.
O IC1 acabava em S. Bartolomeu de Messines e, ir de Faro a Sagres ou a Alcoutim, merecia uma despedida de lenços brancos. Para cá se chegar, vindos da capital do país, demorava-se umas longas quatro horas de sustos e solavancos. Sendo já então o maior destino turístico do país, o Algarve vivia dias em permanente sobressalto: uma vez eram as salmonelas, outra a contaminação das praias pelos esgotos não tratados, outra ainda a incapacidade dos serviços de saúde para responder às necessidades urgentes. Vivia-se com o credo na boca. O poder local dava ainda os seus primeiros passos e com tudo por fazer, escasseavam os recursos.
A CCRA surgiu então para responder aos desafios emergentes de um turismo que começava a crescer lenta mas desordenadamente. Competia-lhe definir as regras do jogo, planear e arrumar a casa, conter a expansão urbanística desenfreada e assegurar o desenvolvimento integrado entre o litoral turístico e o interior serrano, pobre e a caminho da desertificação.
Mas foi preciso esperar que um primeiro ministro aqui viesse declarar bombasticamente que o Algarve estava à beira da catástrofe, para se ganhar definitivamente a urgência em cuidar da galinha dos ovos de oiro.
Logo a seguir vieram os primeiros fundos europeus das ajudas de pré adesão e depois a entrada do país na Comissão Económica Europeia com os benefícios conhecidos.
E hoje – apesar da obra sempre incompleta – é importante registar e ouvir os nomes daqueles que à frente da CCDR (contando também com os autarcas, agentes políticos e empresariais) contribuíram para a mudança verificada.
Em cerca de 40 anos, o Algarve transfigurou-se. Os desafios agora são outros.
RELACIONADO:
Algarve e os novos desafios: Não se podem voltar a cometer os erros do passado
E AINDA:
O Orçamento e os algarvios. Editorial por Henrique Dias Freire
OBRIGADO CARLOS BRITO. Editorial por Henrique Dias Freire
Todos pagamos um preço, mas os privilegiados não
“Algarve não está preparado para os portugueses!” Importa-se de repetir?
O pior da crise não está para trás
Desmontada a acusação de juiz ver vídeos de crianças abusadas na presença de prostitutas