No início de cada ano, fazem-se listas de intenções para se cumprirem durante os 365 dias seguintes. Também é nesta altura que se fazem balanços, se observa o ano que passou com olhos mais críticos, se percebe o que se fez bem e o que se poderia ter feito melhor.
Relativamente a 2020, não foi preciso esperar pelo seu fim, para se ir fazendo essa avaliação, quase diariamente, a partir do momento em que a COVID-19 passou a ser o centro das nossas preocupações, fazendo-nos esquecer, muitas vezes, a Vida que continuava a acontecer, impávida, perante a inquietação dos nossos dias e dos nossos sentimentos.
Foi preciso reagir, adaptar, refazer, recriar, criar uma diferente forma de estar.
Nas áreas de competência da Direção Regional de Cultura do Algarve (DRCAlg), não foi diferente. As instituições são feitas de pessoas e todos nós sentimos aquelas necessidades, perante a situação de distanciamento, de confinamento, de mudança de paradigma de trabalho.
A resposta teve de ser imediata, acompanhando a velocidade a que a realidade ia mudando, de modo a não perder de vista a nossa missão e atribuições, como sejam a criação de condições de acesso aos bens culturais; o acompanhamento quer das atividades das estruturas de produção artística quer das ações relativas à salvaguarda, valorização e divulgação do património cultural imóvel, móvel e imaterial; o apoio aos museus da região e o apoio a iniciativas culturais.
A recetividade de quem se candidatou aos nossos apoios foi grande, fazendo todos – instituição e agentes culturais – um esforço de adaptação, tanto no PAACA – Programa de Apoio à Ação Cultural no Algarve, como no programa DiVaM – Dinamização e Valorização dos Monumentos. Este último, em vez de durar os costumeiros 9 meses, teve se se concentrar no último quartel do ano (de 5 de setembro a 13 de dezembro). Apesar de tudo, conseguiu-se realizar quase todas as atividades inicialmente previstas, graças ao empenho dos agentes culturais (que reformularam, reprogramaram, adaptando os seus projetos) e da equipa DRCAlg, pois, juntos, conseguiram garantir o que todos queremos e que tem sido expresso, na comunicação social e nas redes sociais, através do mote, #ACULTURAÉSEGURA.
Na área da salvaguarda, continuámos a responder diariamente aos desafios da defesa do nosso património cultural, apreciando e emitindo parecer sobre os projetos em áreas patrimonialmente protegidas e monitorizando os sítios arqueológicos e os trabalhos neles realizados. Visando a valorização e divulgação do património cultural, a DRCAlg realizou várias ações internas, entre técnicos e restantes trabalhadores, assim como externas, das quais destaco as sessões de sensibilização e capacitação de profissionais de empresas de animação turística (em colaboração com Região de Turismo do Algarve), que, sob o título “O nosso património cultural”, pretenderam o fomento de uma cultura de valorização e preservação dos bens culturais da região e a promoção de uma correta comunicação e melhor experiência turística e cultural do património edificado.
Ainda nesta área, as obras não pararam, tendo-se concluído, por exemplo, o projeto de acessibilidades da Fortaleza de Sagres, a requalificação da Casa Rural de Milreu, assim como dado início à 2ª fase da recuperação dos mosaicos romanos deste sítio arqueológico.
Antes de terminar, relembro as palavras de umas das intervenções do coro da peça Antígona(de Sófocles, autor grego do séc. V a.C.), conhecida como «Ode ao Homem», um verdadeiro hino às capacidades extraordinárias do ser humano. Os primeiros versos anunciam a maravilha: «Existem muitos portentos, mas nenhum maior do que o ser humano». Depois, continua a enumerar as capacidades inventivas que o fez cruzar mares, aprender a sobreviver em situações difíceis, a aprender «a linguagem e o pensamento ágil/, os costumes civilizados». E diz ainda: «Não avança no futuro sem recursos. /Apenas ao Hades não poderá fugir;/ no entanto, meditou com outros/ o modo de escapar a doenças para as quais não havia recurso./(…)».
Nestes poucos versos, lemos tanto do que ainda hoje faz sentido e que, espero, se refletirá neste 2021 que agora começa: trabalharmos em redes colaborativas, usarmos o nosso raciocínio para encontrar recursos que preparem o futuro, termos sabedoria para nos protegermos enquanto civilização.
Visitemos os espaços culturais que existem nos nossos concelhos: monumentos, museus, galerias; assistamos a espetáculos de todo o género, na rua, em teatros, em salas formais ou informais; leiamos livros; participemos em encontros culturais. A nossa visita, a nossa presença, é o apoio de que todos precisamos. A Cultura é, de facto, segura.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de janeiro)