O Tribunal Constitucional (TC) publicou há pouco no seu sítio on-line o teor da decisão que proferiu hoje sobre o pedido de aclaração do acórdão que repôs recentemente os salários dos funcionários públicos no âmbito da análise a várias medidas do Orçamento de Estado para este ano.
Apesar de se considerar competente para a matéria e de afirmar que não há “obstáculo à admissibilidade do requerimento” o TC recusa a aclaração, por considerar que “que o acórdão, na parte a que se refere o pedido, não contém qualquer obscuridade ou ambiguidade que deva ser suprida”.
Os juízes do Palácio Ratton acrescentam que “a decisão relativa à limitação de efeitos não oferece, por isso, quaisquer dúvidas, quer quanto ao conteúdo decisório da limitação (ex nunc), quer quanto à sua extensão temporal (a partir da data da decisão)”.
E referem ainda que “os esclarecimentos que o requerente [a Assembleia da República, a pedido do Governo endereçado à respectiva presidente] pretende obter não derivam (…) de qualquer obscuridade ou ambiguidade que o acórdão (…), mas relacionam-se com aspectos de ordem prática que respeitam já ao cumprimento do julgado e extravasam o âmbito da actividade jurisdicional do Tribunal”.
Constitucional recusa funções legislativas e executivas
Os magistrados do TC recusam tomar posições sobre o acórdão cuja aclaração a Assembleia da República suscitou por considerarem que entrariam na esfera do poder legislativo e executivo, numa clara posição de afirmação da divisão tripartida dos poderes de Montesquieu (legislativo, executivo e judicial).
Segundo os juízes, “o Tribunal Constitucional, enquanto órgão jurisdicional de fiscalização da constitucionalidade, não pode intervir no âmbito da competência administrativa do Governo. Assim como não pode criar inovatoriamente parâmetros normativos de regulação da vida colectiva que invadam a esfera do legislador ordinário e exorbitem a função de administração de justiça em matéria de natureza jurídico-constitucional”.
Juízes recusam cooperação institucional
O Palácio Ratton esclarece ainda que nem cabe na análise do pedido o suscitar do princípio da cooperação institucional entre órgãos de soberania.
“Não tem cabimento a invocação do princípio da cooperação institucional”, dizem os juízes que assim se recusam a ‘ajudar’ a Assembleia da República e o Governo a compreender o acórdão.
Acrescentando que “não é possível ao Tribunal instruir o órgão legislativo ou executivo sobre os termos em que deverá ser dado cumprimento, no plano infraconstitucional, à decisão de inconstitucionalidade, quando essa é matéria da sua exclusiva competência.”
Governo falha tentativa de aclaração
Recorde-se que o pedido de aclaração por parte da Assembleia da República resultou de uma solicitação para que o parlamento agisse nesse sentido junto do Tribunal Constitucional feita pelo Governo de Pedro Passos Coelho.
O Governo considerava que tendo partido do parlamento o pedido inicial de fiscalização sucessiva da constitucionalidade e não sendo o executivo sido parte no processo não seria aceitável um pedido de aclaração com origem no Governo.
A situação gerou polémica e Assunção Esteves, presidente da Assembleia da República, levou o pedido a análise pela Conferência de Líderes, donde saiu a decisão de solicitar a aclaração ao TC debaixo de críticas dos partidos da oposição.