«Observe o ponto uma vez mais. É aqui. É a nossa casa. Somos nós. Nele vivem ou viveram todas as pessoas que ama, todas as pessoas que conhece, todas as pessoas de quem ouviu falar, todos os seres humanos que alguma vez existiram.» Estas são palavras do famoso astrónomo e divulgador de ciência Carl Sagan e descrevem o que sentiu quando viu a imagem do nosso planeta fotografado pela sonda Voyager 1, a uma distância de 6,4 mil milhões de quilómetros, no dia 14 de fevereiro de 1990.
O “ponto azul-claro” mal se destacava na imensidão do Universo. Um ponto luminoso, debruado fragilmente pela luz solar, uma centelha reflectida para o cosmos. É nesse ponto minúsculo e insignificante que existimos. Você e eu e todos aqueles que conhecemos e que revivem na nossa memória. Nele, as vitórias beligerantes são pálidas e insignificantes, as arrogâncias autoritárias não acrescentam brilho ao nosso planeta.
O fascínio pela imagem do nosso planeta visto a partir do espaço começou com as primeiras fotos tiradas a 7 de Março de 1947 através de câmaras fotográficas instaladas em foguetes V-2 alemães, no lugar ocupado anteriormente por ogivas bélicas. Tiradas a uma altura de 160 quilómetros da superfície terrestre, as primeiras imagens do nosso planeta trouxeram uma mensagem de paz contemplativa.
Mas estas imagens mostravam apenas partes da Terra. A primeira imagem do nosso planeta só foi possível com o início da exploração lunar através de satélites. A 23 de agosto de 1966, a sonda Lunar Orbiter 1, da NASA, olhou para trás e captou, a cerca de 350 mil quilómetros, a primeira imagem da Terra a partir do espaço profundo. Só então foi possível uma perspectiva do nosso mundo como um pequeno astro celeste no panorama cósmico.
Contudo, estas eram fotos da Terra em crescente e em tons de cinzento sobre o negro espaço sideral! Teríamos de esperar pela missão Apolo 17 (NASA) que a 7 de Dezembro de 1972, pouco depois do seu lançamento, e aproveitando um bom alinhamento com o nosso planeta, tirou aquela que continua a ser uma das mais famosas imagens completas e iconicamente azuis da Terra. A partir dela passamos a designar o nosso mundo como o planeta azul!
A partir da Lua foram captadas muitas impressões visuais do nosso mundo terrestre. Com a continuação e expansão das missões de exploração do sistema solar muitas outras imagens do planeta foram sendo registadas na paleta do nosso álbum cósmico (veja, por exemplo, este site: http://planetary.org/explore/space-topics/earth/pics-of-earth-by-planetary-spacecraft.html). Cada vez mais distantes, os nossos fotógrafos espaciais foram enviando imagens de como a Terra se avista dos outros planetas que connosco orbitam o Sol.
Assim que a humanidade colocou robôs no solo de Marte, também estes tiraram e enviaram para nós imagens de como a Terra se vê a partir do solo vermelho. E como é? É como nós aqui vemos os outros planetas a olho nu: estrelas errantes, as primeiras estrelas da manhã e da tarde. Somos uma “estrela” errante no céu marciano!
A primeira imagem da Terra como estrela da manhã em Marte foi tirada pelo robô Spirit (NASA) a 8 de Março de 2004, uma hora antes do Sol nascer no horizonte marciano.
Volvidos dez anos, recebemos outra imagem da Terra a partir da superfície de Marte: a Terra como estrela da tarde! A imagem vespertina foi captada pelo robô Curiosity, da NASA, no dia 31 de Janeiro de 2014, a uma distância de 160 milhões de quilómetros da Terra, durante o crepúsculo marciano. Nesta imagem, a Terra surge como o ponto mais brilhante do céu crepuscular marciano. Um simples e frágil astro errante no mar do Universo.
Agora que o mais complexo e sofisticado robô-veículo amartou no solo do planeta vermelho, o Perserverance no passado dia 18 de Fevereiro de 2021, ficamos a aguardar novas fotos do nosso planeta a partir de Marte! É a ciência e a tecnologia a contemplar o “ponto azul-claro”que é a nossa casa numa perspetiva cósmica!
*António Piedade é Bioquímico e Comunicador de Ciência. Publicou mais de 700 artigos e crónicas de divulgação científica na imprensa portuguesa e 20 artigos em revistas científicas internacionais. É autor de nove livros de divulgação de ciência, entre os quais se destacam “Íris Científica” (Mar da Palavra, 2005 – Plano Nacional de Leitura),”Caminhos de Ciência” com prefácio de Carlos Fiolhais (Imprensa Universidade de Coimbra, 2011) e “Diálogos com Ciência” (Ed. Trinta por um Linha, 2019 – Plano Nacional de Leitura) prefaciado por Carlos Fiolhais. Organiza regularmente ciclos de palestras de divulgação científica, entre os quais, o já muito popular “Ciência às Seis”, no Rómulo Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra. Profere regularmente palestras de divulgação científica em escolas e outras instituições.