Loulé prepara-se para receber, entre os dias 31 de Março e 3 de Abril, um novo festival que promete ser uma verdadeira pedrada nas mansas águas do panorama geral da cultura no Algarve.
Dizer que o Festival Som Riscado – assim se chama a nova data que pretende marcar a agenda anual da cultura regional – é um festival que pretende unir a nova música portuguesa de cariz experimental e os universos da imagem e das artes visuais, é pouco, muito pouco, para definir o desafio que a Câmara de Loulé, presidida por Vítor Aleixo, quer lançar à região.
‘Som riscado’: um apelo à intervenção, uma provocação… mesmo uma afronta ao pensamento do espectador
É verdade que o festival quer unir a nova música nacional de linha minimal, psicadélica e electrónica e o desenho, a pintura, o graffiti e o cinema, bem como, a esta mescla quer chamar a fotografia, a arte digital, a imagem animada e o design. Mas o ‘Som Riscado’ quer ser muito mais do que isso, quer ser um apelo à intervenção, uma provocação… mesmo uma afronta ao pensamento do espectador.
Mais longe – depois da conversa do Cultura.Sul com Dália Paula, responsável pelo departamento de Cultura da Câmara de Loulé e uma das mentes por detrás de todo o festival – a verdade é que o ‘Som Riscado’ não quer espectadores tout court, quer em cada um dos que se deslocarem ao festival um verdadeiro interventor, um pensador, um deslumbrado activo e – porque não – um ‘fazedor de arte’ que não deixa por mãos alheias a interpretação e a definição do fenómeno cultural.
Por detrás deste entendimento pouco usual do espectador está a ideia de que a cultura é um factor estratégico de desenvolvimento do concelho de Loulé e a consciencialização dos programadores culturais locais de que a política cultural deve assentar num entendimento do território e da população, que se faz ouvindo as pessoas do concelho “numa perspectiva que recusa traçar rumos com decisões top-down e, antes, se obriga a ouvir e a apostar numa construção horizontal e transversal das decisões no campo cultural”, refere Dália Paulo.
O festival não pretende ser um programa cultural com data marcada, finito e fechado sobre si mesmo enquanto epifenómeno cultural. “O ‘Som Riscado’ é o ponto culminante de uma programação cultural que se fez e faz – e fará – ouvindo a população louletana e percebendo quais são as suas necessidades, ao mesmo tempo que, numa perspectiva macro, se vê o que faz falta no panorama cultural regional, quer em termos de oferta, quer em termos de resposta aos diversos públicos-alvo”, refere a responsável autárquica.
Um festival urbano para um público jovem e jovem adulto
“Percebemos que quer em Loulé, quer na região, havia uma falta de resposta para os públicos jovem e jovem-adulto que integrasse o que de novo na região e no país se vai fazendo na área da nova música portuguesa e na exploração de inovadores conceitos no mundo das artes visuais”, refere Dália Paulo, que encontrou a resposta na proposta “de verdadeiros e inovadores diálogos entre artistas das artes performativas e das artes visuais e plásticas”, onde o desafio lançado aos artistas foi o de se unirem em parcerias para a criação de obras verdadeiramente únicas e – não poucas vezes – irrepetíveis.
Implicar o espectador
Este é um dos aspectos inovadores do festival que importa realçar, mas não é o único. A ideia da equipa de programação do ‘Som Riscado’ é a de que o espectador deve ser implicado em todo o festival, mais do que assistir, deve propor, questionar, desafiar e participar no fenómeno cultural. Um verdadeiro desafio a quem assiste às performances ou vê as exposições ou ouve os concertos durante este festival.
“Começámos a fazer este caminho de implicar o público desde 2014 e apostámos nele em 2015 e 2016, para que a programação cultural do concelho seja o reflexo dos seus destinatários, que nela participam desde o início, e que culmina com este primeiro festival, que funciona como a cereja no topo do bolo deste percurso”, diz Dália Paulo.
“É este processo de audição da população que nos faz acreditar que o ‘Som Riscado’, formatado como foi para implicar os públicos, trará consistência e coerência a uma oferta cultural que estava em falta na região”.
A partir do Cine-Teatro Louletano num verdadeiro espectáculo constante pulverizado por toda a cidade
O festival, que promete espalhar-se pela cidade de Loulé, terá o seu centro nevrálgico no Cine-Teatro Louletano, mas a intenção para esta edição zero é que se pulverize por espaços abertos e fechados em toda a cidade.
“Este é um festival marcadamente urbano e jovem, mas que também terá programação para as famílias de jovens adultos com os seus respectivos filhos”, refere Dália Paulo, que não recusa – antes antecipa como provável – que o evento se espanda para além das fronteiras da cidade de Loulé em futuras edições.
Com menos de 30 mil euros de orçamento o ‘Som Riscado’ quer ainda lançar pontes entre artistas e artes que fomentem a criação cultural de forma continuada a nível transversal nas geografias, unindo artistas regionais e nacionais e criando condições para que este palco alargado seja uma plataforma de lançamento da produção cultural do Algarve para o mainstream nacional.
‘Maravilhem-se, impliquem-se e inquietem-se’
“Maravilhem-se, impliquem-se e inquietem-se” é a proposta – nada pouco ambiciosa – que Dália Paulo faz ao público na apresentação deste novo festival, que une conferências a exposições, música a projecções, instalações e leitura entre tantos outras propostas, numa programação que junta nomes como Marum Nascimento, Milita Doré, Susana de Medeiros, Menau, Vasco Célio, Carlos Barretto, João Frade, Simão Costa, Yola Pinto, Holy Nothing e Rui Monteiro, entre muitos outros.
Uma aposta na sustentabilidade
Tudo isto para um primeiro festival que não se esgota com o cair do pano e que promete manter-se vivo ao longo de toda a programação cultural de Loulé durante o ano, criando condições para uma “aposta sustentável na criação artística local e regional e no cruzamento desta com o todo nacional”, de forma a criar não só produtos culturais inovadores como públicos novos e implicados na vida cultural que os envolve”, refere Dália Paulo.
Quatro dias de artes várias e casamentos improváveis prometem assim animar Loulé enquanto ameaçam provocar o verdadeiro arrepio do som riscado nas consciências de quem se atrever a passar por Loulé a partir de 31 de Março.
Implique-se, vai ver que emoção é participar em alternativa a, simplesmente, assistir. Há propostas assim!